segunda-feira, 7 de agosto de 2023

A CAMELIA NO CAMINHO

Quem passa por esta estrada não pode ficar isento do súbito sentimento com a bucólica visão: em frente à casa velha aquela linda camélia em completo consenso com todo o ambiente neste tom, tão intenso toda viva, colorida revelando que há vida mesmo estando no chão. Ah, como ela se derrama! se espalha, se esparrama em suave harmonia espelhando calma nostalgia inspirando tantas lembranças de quando éramos crianças soltas, para sentir emoção para viver a mensagem a flor que morre e renasce talvez prestando homenagem a quem um dia a plantou para depois partir mas que continua a florir em outra dimensão: assim é a camélia que soltou-se do galho desapegou-se do pé desceu leve à terra e um ciclo se encerra. Não foi nem o vento nem mesmo o orvalho apenas o cumprimento de sua nobre missão. Ah, este ensinamento, Cá, carrego comigo nas profundas veias vivas do coração. (Texto: Miguel Nenevé foto do facebook: Irineu Woitskovlsi Junio}

sábado, 13 de maio de 2023

SUBINDO A JATUARANA

SUBINDO A JATUARANA Devagar, porque não sei Onde quero ir Há entre mim e os meus passos Uma divergência instintiva Há entre quem sou e estou F Pessoa – A de Campos) Vamos então, mana, percorrer a Jatuarana! Subir a longa avenida, sentir o que há de vida. Agora no fim da tarde quando o sol já não arde nestas calçadas estreitas imprecisas ou mal feitas iremos apenas caminhar conhecer seus vários odores talvez até sentir dores da pessoa fatigada que já não sente nada , em pura anestesia o Eliot já advertia a cabeça na bandeja ah, que nunca seja esta minha canção nem aquela do Alfredo não revelarei segredo e nem pretendo fingir querendo apenas sentir a vida tenra e crua desta minha rua sem missão ou promessa nem pressão nem pressa apreciar os preços de lojas e seus adereços Ouvir o chamado de sereias “olha as blusas, calças, meias chegue!”, a moça diz sorridente cansada, meio inconsciente - Não, agora não preciso mas gostei de seu sorriso, um perfume de vestido me deixa meio perdido? subindo na contra-mão ruas e rimas sem razão? Passa um casal apressado conversando animado. várias vozes, velhas melodias nas múltiplas pizzarias - Hoje não, na semana que vem se estiver com alguém. outro rosto anestesiado espera o ônibus lotado Um cão perambulante caminha mais vibrante: há um resto de comida na sacola esquecida hum, a hora é chegada de soltar lixo na calçada entre atores e atrizes há os loucos felizes Imitando uma autoridade importante na cidade. Sobras de vidas ruas varridas vidas variadas Louvada seja a dúvida bendito o indeciso caminhante Narciso O que é mais nobre para a alma manter a mente calma para eludir a decisão ou iludir o coração? Já nem se quer saber o o que vai acontecer Uma mirada distante me deixa confiante para logo me perguntar: onde mesmo quero chegar? Será que perdi o rumo? Faz bem ouvir o Rumi “Continue a caminhar embora não haja lugar pra onde deva ir” Ali na próxima esquina talvez uma alma divina me traga inspiração para mudar de direção ou afogar-me em mil e quinhentos e tantos argumentos Viva a paisagem humana da avenida Jatuarana!

quarta-feira, 19 de abril de 2023

PESSOA(L)MENTE

PESSOA(L)MENTE Vem sentar-te comigo, Marta sob uma árvore antiga leiamos aquela carta como uma velha cantiga... Juntos viajaremos por linhas desbotadas misteriosas, carregadas de história, pó e poesia. Ah, ali está recluso uma poema só para ti o primeiro que escrevi, sentimental, medroso confuso. Treze , quase quatorze anos acreditava no amor devaneios, sonhos enganos tudo bem escondido na alma adolescente. Nem conhecia Pessoa, apenas de Abreu, Varela e o de Azevedo para inflamar a paixão misturada com medo de entregar para ela: receio da punição. Não tive a ousadia deixei tudo guardado ninguém mais sabia. Foi um dia descoberto Ah, a minha irmã, curiosa, por certo em certa manhã o esconderijo acharia criei uma historinha, enganei, menti, inventei que a letra não era minha, que era de um amigo, mas tinha por acaso ficado comigo... por descuido ou descaso Então já não seria de preocupação, de conversas ou uma de delação nem de coisas adversas Assim sobreviveu a carta muito bem, guardada... com o poema apaixonado para ti, Marta. Anos e anos ali mudou de endereço, de significado Até que um dia animar-me ia ... A irmã foi Voou em viagem celestial Mudei, mudaste, mudamos Já foram tantas paragens A carta e o poemas, descoloridos.. ainda incendeiam lembranças ah, este amor de criança esta crença na pureza, envolvidos em segredo receido de punição... só hoje descubro, não foram em vão.. Vem, sentar-te comigo, Marta debaixo do marmeleiro. Juntos, falaremos de tudo até do amor primeiro ali, esqueçamos os problemas leiamos muitos versos, e lembremos da Lidia, do poeta maior e mais que tudo, falaremos de cor versos e rabiscos , o primeiro poema e tudo que escrevi só para ti. Vem sentar-te comigo, Marta brindemos esta paisagem farta Fitemos no leve vôo das aves e pensemos, que mais vale sermos doces e suaves Já que tudo se esvai para um céu bem distante nada permanece entao vivamos o instante. e como numa prece.. contemplemos as nuvens de mãos enlaçadas vistamos a beleza natural de campos fascinantes dos tempos do Pirizal! Vem sentar-te – comigo sem o tédio da solidão e assim, se um dia eu for para aquela escuridão lembrarás do marmeleiro cheio de sombra, de vida e de sábia inspiração Texto: Miguel Nenevé. Foto: Angelo Nenevé

sexta-feira, 7 de abril de 2023

SEXTAS- FEIRAS SANTAS FORAM TANTAS...

 


Tempo de parar para meditar, tempo de cuidar-se, deixando de lado a correria e voltar para dentro, para o interior, para nosso interior e engajar-me no poder da oração que nos conecta conosco mesmos, nossas crenças, nossa vida diária e nossa vontade de melhorar um pouco cada dia... Ao me recolher, ao conectar-me, inevitavelmente, algumas lembranças lá da infância martelam minha mente, sem perturbar a paz...Longos anos atrás.... Tempo em que o ano se dividia para mim em antes e depois da Sexta-Feira Santa, Dobry piątek, um dia muito marcante naquele interior do planalto catarinense.

“Na Sexta-Feira Santa, eu lhe procurei, fui à sua casa, mas não lhe encontrei”, era a música de minha infância e adolescência.” Aquelas sextas férias Santas que em nosso meio familiar, como em toda a comunidade de educação polonesa, nem se ouvia música profana. Ouviam-se, sim,  aquelas músicas que lamentavam a condição humana, de homem pecador. Lembro-me bem de uma música cuja letra dizia “Pecador agora é tempo de pesar e de temor. “ Deixando bem que todos eram pecadores, e que tínhamos que lutar, pois havia, claramente uma briga entre a carne e o espírito (The flesh and the soul como no poema da puritana americana Anne Breadstreet).  Tudo girava em torno do pecado e da penitência. O jejum era certo para toda a família e o dia ficava bem plongado, como aquelas batidas do sino. Deixar de ir à igreja, jamais!!!! Na Vila de Bateias de Baixo, havia adoração desde madrugada. À tarde eram as cerimônias mais longínquas e pesadas. Mas ninguém da vila ousava faltar. Lembro-me de pessoas vindo de longe, agricultores de todos os arredores. Muitos ficavam do lado de fora, porque a igreja local não suportava todos que queriam participar das cerimonias de Jesus Morto. Havia aquelas leituras da paixão, bem completas, prolongadas, com vários leitores representando personagens do evangelho. Depois vinha a via-sacra em  procissão pela estrada de barro ou macadamizada. A cada estação parava-se, para ajoelhar-se nas pedras e pedregulhos soltos da estrada. Eu me perguntava se era só eu que sofria com dores no joelho contra as pedras da estrada. Ninguém sofria de problema no joelho ou na coluna? Ou faziam de conta que se ajoelhavam, mas não tocavam o chão? De alguma forma havia uma fé que lhes foi transmitida. Fé e certa disciplina ou certo temor, afinal era tempo “de pesar e de temor”. O que consideramos hoje práticas não virtuosas, eram pecados  Quando a procissão acabava, já quase no escurecer do dia, entrava-se na igreja para dar um ósculo em Jesus morto e depois, finalmente voltar para casa.

No sábado já se podia cantar qualquer música, podia-se comer carne e não se precisava mais ir à  procissão. Era só preparar o ninho que o coelhinho vinha na certa. Coelhinhos e ovinhos de Chocolate do Buschle e cascas de ovos coloridos recheados de amendoim ou castanha caramelizada. Sempre valia ter passado pela prolongada Sexta-feira Santa.

domingo, 15 de janeiro de 2023

Um poema de Penn Kemp traduzido por Miguel Nenevé

 Rose A Rose Rose,

 Dante knew, 

leads you through 

 Paradise, 

a walled and 

trellised 

 garden 

 I thrive on you rose,

 your word arousal 

 from earth up

 you rose 

and still 

 you spring

 LEVANTOU-SE UMA ROSA (tradução Miguel Nenevé)

 A Rosa,  Dante

 sabia,

 te guia pelo 

 Paraíso, 

um jardim

cercado 

com treliças

Eu me inspiro em você 

 aflorando

 da terra 

 rosa,  estímulo 

 à palavra

 você se levanta

 e salta 

em prima-

  vera

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primeiramente publicado na RILE – Revista Interdisciplinar De Literatura e Ecocritica CA, v. 4, n. 1, p. 117-118, Jan., 2020

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

pós leitura

 Por que não escrevi 


para ti


Por que não li

teu olhar

na hora

por que só percebi

depois de muita demora

que havia um convite

no seu olhar recolhido

no seu rosto encolhido

eu senti somente

quando voce

ja estava ausente

???

Por quê

Quem vai saber.....?

sábado, 25 de junho de 2022

DO AMOR A ESTEREÓTIPOS, A PRECONCEITOS E AO MANIQUEÍSMO: minha crônica publicada na página CRONICÁLIA (de Vitor Hugo Martins) em 23 de junho de 2014

 

DO AMOR A ESTEREÓTIPOS, A PRECONCEITOS E AO MANIQUEÍSMO
*Miguel Nenevé
Octave Mannoni, escrevendo sobre a “Psicologia da Colonização” afirma que o colonizador tem uma necessidade psicológica de ter “alguém inferior”. Ele, o colonizador, sai de sua terra para se reafirmar, para confirmar que há um lugar onde vivem monstros, pessoas mais feias, lugares amedrontadores. Assim, mais do que o lucro, o colonizador busca, na colônia, “uma satisfação psicológica, o que é muito mais perigoso.” Esta satisfação psicológica faz com que o colonizador, o europeu ou o que vive “no centro”, espalhe a crença que do outro lado da terra, em outra parte do mundo, para além do mar ou do rio, há pessoas estranhas, com costumes exóticos, vivendo num mundo ao avesso. Parece que há uma satisfação em afirmar que ao contrário do nosso cosmo existe um caos quando cruzamos a fronteira. Isso se reflete tanto na literatura, como analisa Edward Said em sua obra Orientalismo, quando mostra como autores europeus, principalmente da França e da Inglaterra, apresentam o Oriente como o “outro” , o feio, o perigoso e o inconfiável. Este prática discursiva colonialista é com frequência percebida também na imprensa nossa do dia a dia. Reforça-se uma crença comum , uma visão (e divisão) maniqueísta entre o bom e ruim, o bonito e o feio entre o que é de Deus e do demônio, entre a carne e o espírito, entre o corpo e alma e , visivelmente entre o Norte e Sul , entre o Ocidente e o Oriente.
Assistindo a alguns jogos da Copa do Mundo pela televisão, tenho ouvido comentários de locutores esportivos e da imprensa de um modo geral sobre nosso clima muito quente. Tem-se creditado desenvolvimento fraco de alguns jogadores do hemisfério norte ao calor do Brasil. O jogo entre Portugal e Estados Unidos em Manaus , causou inúmeros comentários exagerados de nossos locutores brasileiros que repetem um discurso colonialista. O locutor de uma emissora o tempo todo lamentava que os “coitados” portugueses e norte-americanos tiveram que jogar em “uma clima insuportável.” Extremistas as lamentações de alguns locutores! Todo olhar atravessado de um jogador era interpretado como sofrimento por causa do calor. A toda hora se mencionava a dificuldade de respirar por causa do “clima insuportável de Manaus.” Sem nunca mencionar quantos graus marcavam os termômetros, repetiam-se lamúrias em nome dos visitantes. Com uma ladainha de lamentações sobre o clima ”quase intolerável” ficou até difícil de assistir ao jogo em determinado canal. Intoleráveis acabaram ficando as lamentações do locutor.
Refletindo sobre os comentários e a “pena” dos visitantes, que o locutor dizia sentir, lembrei-me que a única vez em que realmente experimentei um calor sufocante, quase insuportável, que sugava a pele, foi no estado de Colorado, nos Estados Unidos, num mês de agosto. Muito pior que um calor vaporoso de 34 graus da Amazônia, o calor seco de 40 graus me deixava ansioso para partir o mais rápido possível do o local. Quando conto isso a pessoas que acreditam que nos Estados Unidos é sempre mais frio que no Brasil, vejo um ar de espanto e incredulidade. Isso é motivado pela crença que um local deve ser sempre quente, insuportável e o outro sempre frio, com temperatura sempre inferior a nossa e mais saudável. Quem não conhece o local e ouve imprensa repetir constantemente esta “verdade” maniqueísta que coloca “norte contra o sul”, “paraíso contra inferno” entre outras concepções, passa a propagar a ideia dos opostos. Parece que há necessidade de reafirmar que há um mundo exótico a ser dominado...O discurso do colonizador repetido pelo colonizado.
*Miguel Nenevé é professor de Literatura norte-americana na Universidade Federal de Rondônia. Contista e cronista.