quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Representações da Mulher Brasileira: estereótipos, fantasias e violência. Por Miguel Nenevé

Recentemente estive na Universidade de New Mexico, nos Estados Unidos como pesquisador visitante e um dos palestrantes que o Institute of Latin American and Iberian Studies convida durante o ano. Ao me dirigir para a universidade naquela manha, o motorista do ônibus que o hotel gentilmente me oferecia para ir à universidade, me perguntou: “ Sobre o que será a palestra? Sobre a beleza da mulher brasileira? “
Logicamente este pergunta pode irritar a qualquer um pela maneira de que é perguntada. A mulher brasileira se destaca pela beleza e charme em todo o mundo, claro. No entanto, é cansativo e irritante a um brasileiro sentir que a ignorância de algumas pessoas fazem pensar que um professor universitário, sendo do Brasil, só poderia falar sobre mulher brasileira. Ademais, há sempre aquela conotação de mulher brasileira ser objeto fácil, ser um produto á venda para pessoas que vivem numa sociedade mais puritana. Como argumenta Edward Said em Orientalismo , criou-se a fantasia do permitido, no outro mundo, no “Oriente” ou no “Sul” a assim asocia-se constantemente a colônia como o local onde há liberdade sexual e as mulheres que ali habitam não precisam ser respeitadas como no “Ocidente” ou no mundo “dos civilizados.” No imaginário de um americano comum ainda persiste aquela visão do europeu sobre a mulher não européia. Se voltarmos bem ao inicio da colonização, ou antes, ainda vamos ver que Américo Vespúcio , (como nos informa Afonso Arinos em O Índio brasileiro e a revolução francesa) em sua famosa “carta Mundus Novus” se referia à mulher da América como “ muito bela”. Mas não pára na beleza, ele precisa estimular a fantasia das pessoas do “Primeiro Mundo’ e complementa: “sua luxúria excede à imaginação humana. O homem possui quantas desejar.” Portanto, os relatos dos viajantes da Europa sobre os “outros” e mais tarde dos países “desenvolvidos” sobre os “subdesenvolvidos” ajudaram a solidificar os estereótipos do Brasil e da mulher brasileira. Acrescente-se a isso a literatura e a publicidade em nosso próprio país que ao longo do tempo foram construindo a imagem do “paraíso” tropical, o paraíso que foi perdido no “Primeiro Mundo.” Este estereótipo vai permacendo e a condição de colônia, de dependência de “países superiores” com certeza ajuda a manter esta visão. Assim a mulher brasileira é ainda associada à “mucama” , a amázia escrava que era objeto de prazer dos “senhores.” E temos que convir, muitas vezes o conceito é alimentado por empresas de turismo, por próprias brasileiros e brasileiras. Algumas empresas ou pessoas lucram com isso ou pensam que lucram e continuam a espalhar o discurso que a mulher brasileira pode ser tratada como objeto. Ademais, a publicidade de empresas de turismo , às vezes até com o apoio da EMBRATUR também colabora para expor ao mundo este produto brasileiro, a mulher como objeto sexual , em posiçao de dependeência ou como incompetente. Há mulheres brasileiras, trabalhando no exterior, que divulgam suas próprias fotos sensuais aos “superiores” do país onde vivem para estimular a imaginação e fantasia dos “colonizadores” e sustentar a crença que estuprar uma mulher de “Terceiro Mundo” não é tão criminoso como estuprar uma mulher de seu “Primeiro Mundo.”
Felizmente este estereótipo eu vi presente em um americano comum, um motorista, e não um professor universitário, por exemplo. Ainda existe no imaginário de uma pessoa sem muita educação, a idéia de que nada que se produza ou que se investigue por um brasileiro tenha valor científico, que possa ser ensinado a um americano.
Por isso que demorei em lhe dar uma resposta. A primeira reação foi rir com ironia, que não sei se ele entendeu, para ganhar tempo. Não queria dar uma resposta mal elaborada, afinal minha palestra era exatamente sobre o discursos que os que se consideram “superiores “ têm sobre os ”inferiores.” Eu iria discutir justamente como os estereótipos e preconceitos “die hard”, (morrem com muita dificuldade) pois vêm desde os tempos de colônia. Precisava dizer, talvez sem demonstrar raiva que a nova mulher brasileira, é inteligente, crítica, e que detesta ser objeto de consumo. Poderia lhe lembrar que, como diz Marcos Cobra, em “Marketing Turístico (2002), “durante anos as feministas tem expressado desagrado com relação a estes estereótipos...não apenas como símbolo de desejo, mas como objeto de consumo.”
No entanto, comecei respondendo que concordava que era muito mais fácil encontrar mulher bonita no Brasil que nos Estados Unidos. Também lembrei a ele que a mulher mais bonita que tinha visto ate então por ali, era uma brasileira, mas que além de bonita era muito inteligente e detestava homem ignorante e preconceituoso. Falei que nós brasileiros nos orgulhamos de ter as mulheres mais bonitas do mundo, isso é fato. Porém , se fosse falar da mulher brasileira poderia estar falando da Clarice Lispector por exemplo “an avant-garde Brazilan writer, writing in favor of women´s rights.” Outras tantas mulheres brasileiras que poderima ser assunto da palestra tais como Rachel de Queiroz, Adélia Prado , Ana Miranda, Gilka Machado, Diva Cunha, Myriam Fraga e Helena Parente Cunha entre muitas outras. Poderia falar de nossa presidente da República, que em breve estaria abrindo a assembléia da ONU, (brasileira que a revista Newsweek escolheu para figurar em sua capa). Sim a mulher brasileira Dilma que sem discurso feminista vem desmantelando preconceitos. Resumindo, poderia falar da mulher brasileira, não somente por sua beleza, mas mais que isso por sua inteligência, sua coragem, sua bravura visível em tantos exemplos.
Concluindo, o retrato da mulher brasileira incorpora uma série de estereótipos, alguns degradantes, outros nem tanto. O que é preciso desmantelar e vem se desmantelando aos poucos é esta imagem da mulher brasileira como uma colônia, uma “mina de pedras preciosas” que somente pode ser observada como algo para dar prazer e lucro ao colonizador. Embora não pareça à primeira vista, estes conceitos de mulher brasileira como objeto de desejo estimula também a violência contra a mulher, que como uma colônia pode ser invadida, explorada, desvirginada estuprada etc. Não se pode combater a violência contra a mulher sem combater estes estereótipos. Apliquemos leis como Maria da Penha, façamos campanha, mas comecemos a desconstruir discursos e estereótipos que à primeira vista são “agradáveis” mas que acabam sendo muito prejudicais. Felizmente a nova mulher brasileira esta mostrando competência para desmantelar preconceitos e destruir estereótipos.
(JORNAL DIARIO DA AMAZONIA no dia 20 de setembro de 2011)