quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

LANÇAMENTO DO LIVRO - VOCE JA OUVIU A CORUJA PIAR? HAVE YOU HEARD THE OWL HOOTING?

DIA -QUINTA, 20 DE JANEIRO DE  2011 

HORÁRIO - 19 HORAS
LOCAL - MERCADO CULTURAL - PORTO VELHO - RO

VOCÊ JÁ OUVIU A CORUJA PIAR? HAVE YOU HEAD THE OWL HOOTING? Livro bilingue de Miguel Nenevé e Rose Siepmann 



APOIO CULTURAL: FUNDAÇAO IARIPUNA, MADELAR MÓVEIS



segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A TRADIÇÃO ORAL E A LITERATURA DESCOLONIZADORA EM JOÃO GUIMARÃES ROSA E MIA COUTO

Miguel Nenevé 1
Rose Siepamann 2

Resumo: Neste trabalho exploramos a tradição oral, a linguagem brincalhona, revolucionária e descolonizadora em dois textos em  língua portuguesa: “A terceira margem do rio”, do brasileiro João Guimaraes Rosa e “Nas águas do tempo”, do moçambicano Mia Couto. Nos dois contos as personagens se misturam e se diluem com a imagem do rio, uma vez que elas buscam, pelo rio, fazer seus deslocamentos para um mundo mais interior, mais íntimo mais isolado. Tanto em Guimarães como em Couto, pode-se perceber que a linguagem como instrumento de revolução e descolonização uma vez que revisitam culturas e vozes “condenadas”, recriando, revalorizando e revigorando uma linguagem esquecida pelos “homens cultos.” A linguagem “impura”, o linguajar do povo, o brincar com a linguagem, o inventar e desinventar enchem os dois textos de graça e sugerem reflexão sobre um mundo de pessoas simples, apegadas à terra.
Palavras-Chave: Criação, Linguagem, Inventação, Descolonizaçao.

Abstract: In this study we explore the oral as well as the creation and recreation of Portuguese language in the works of a Brazilian and a Mozambican writer. We focus our attention  on their use of a creative, “impure” and revolutionary language. Joao Guimaraes Rosa in “The Third Bank of the River” and Mia Couto in “The Waters of Time” reveal very good skills in re-inventing and recreating the Portuguese language in a way that makes the text very light and funny. In both stories, simple people from the interior get mixed with the river that flows along their lives. At the end, river and man seem to be the same. The simple “impure” and unsophisticated language reveals the close connection between man and nature at the same time that promotes a recovery of the forgotten culture of the people. In this way, one can state that the revolutionary language is a way of valorizing people´s simple life and in this way a decolonizing a particular world.
KeyWords: Creation, Language, Invention, Decolonization.

A propósito da língua, sabe uma coisa, Doutor Sidonho? Eu já estou a desmulatar.
E exibe a língua, olhos cerrados, boca escancarada. […] a mucosa está coberta de fungos, formando uma placa esbranquiçada.
Quais fungos? – reage Bartolomeu. Eu estou é a ficar branco de língua, deve ser 
porque só falo português (Mia Couto, Venenos de Deus, p. 110-111).
                                                            
Em uma palestra proferida na UFMG em Belo Horizonte, em julho de 2007, Mia Couto afirma que “Brasil e Moçambique não apenas falam a mesma língua, mas sentem de forma semelhante o que não pode ser dito em nenhum idioma”3. O autor acredita que há muita cosia em comum entre os dois países como uma espécie de saudade do que aconteceu, ou lamentação do que poderia ter acontecido, são sentimentos comuns a países de língua portuguesa. Por inúmeras vezes o autor tem confessado a importância da literatura brasileira para a sua literatura, o seu jeito irreverente de escrever. Entre os escritores brasileiros que deixaram influência em sua alma e em seu jeito de escrever, está o mineiro João Guimarães Rosa. Neste trabalho gostaríamos de explorar a tradição oral e a importância dela tanto para o brasileiro Guimarães Rosa como para o moçambicano Mia Couto. Argumentamos que tanto o brasileiro como o moçambicano de certa forma escrevem uma literatura descolonizadora ao voltar para o seu passado, ao resgatar ditos populares, provérbios do povo da terra, mitos escondidos nos distantes confins. Exploramos também a diferença entre os dois escritores. Enquanto que em Guimarães a narrativa vai se tornando densa, em Mia Couto, parece haver mais uma preocupação com o processo da criação ou melhor recriação da linguagem do que com questões psicológicas. “Escolhemos os contos, “A Terceira Margem do Rio” de Guimarães Rosa e “Nas Águas do Tempo” de Mia Couto uma vez que em ambos os textos a paisagem humana e as vozes diversas não ouvidas anteriormente são valorizadas pelos autores. Nos dois contos estas vozes se misturam e se diluem com a imagem do rio, uma vez que as personagens buscam, pelo rio, fazer seus deslocamentos para um mundo mais interior, mais íntimo mais isolado. Ademais, nas duas obras pode-se perceber que os autores usam a linguagem como forma de descolonização uma vez que revisitam culturas e vozes recriando e revalorizando e revigorando uma linguagem esquecida. Antes de apresentarmos os textos, gostaríamos de discutir brevemente o conceito de descolonização por meio da linguagem proposto por alguns teóricos do pós-colonialismo.
A Linguagem é fundamental para a discussão sobre descolonização porque a colonização começa com a linguagem. “O controle do ‘centro’ (que se instala como padrão) sobre a língua do outro, isto é sobre outras variantes ‘impuras’, permanece como um dos mais fortes instrumentos de controle. Por exemplo, a força da linguagem pode ser demonstrada pelo poder de nomear, a função dos nomes que se dá aos locais ou às pessoas. Nomeá-lo é entender.Portanto, renomear, recriar a linguagem é uma forma de dizer que não se aceita a imposição ou a colonização. Referindo-se à linguagem e colonização, o queniano Ngugi Wa Thiong´o (1986) afirma que a cegueira (ou surdez) que muitas vezes a mente colonial tem em relação à voz, à realidade e à cultura de povos humildes, colonizados explica um pouco da história de desconsideração para o povo do interior, para o colonizado. A tradição e cultura oral, as histórias foam desconsideradas “por não fazerem parte do mundo “ civilizado” do mundo do colonizador. Em sua obra Decolonizing the Mind (1986) Ngugi, lembrando Frantz Fanon, argumenta que a lingaugem é usada para colonizar, para afastar o povo colonizado do colonizador, do centro onde se tomam as decisões. Portanto a linguagem funciona como um mecanismo que separa os “ que sabem” e os que não sabem. Assim aprender a lingua culta, no caso de Ngugi,a língua inglesa, significa esquecer o passado, a história, as crenças enfim a herança cultural.
A linguagem culta, logicamente, vai refletir somente a história e a cultura dos privilegiados. Neste aspecto, a colonização não é uma questão de força física, mas de uma subjugação psicológica ou subjugação espiritual. Quando se propaga que a cultura verdadeira é a do colonizador, que usa a norma culta, quando se despreza a tradição oral ou a oratura, devasta-se a cultura do povo humilde, sem educação e sem acesso ao poder. Como diz o autor queniano, “a lingua carrega cultura e cultura carrega (principalmente por meio da oratura e literatura), o corpo completo de valores pelo quais nós percebemos a nós e nosso lugar no mundo.” Portanto, é a linguagem que vai ajudar a descolonizar, a recuperar e a repensar valores e crenças até então negligenciados.
No capítulo “The Language of African Literature”, da obra Decolonizing the Mind, Ngugi volta a argumentar que ele, com seu povo, aprendeu o valor das palavras pelo seu significado e suas nuances : “Language was not a mere string of words. It had a suggestive power well beyond the immediate and lexical meaning”. Ou seja, a língua não era apenas uma série de palavras, mas tinha um poder sugestivo muito além do significado lexical imediato” (p. 11). O autor confirma que a apreciação da força sugestiva da língua era reforçada por jogos de palavras, provérbios, transposição de sílabas de música da sua cultura. A alienação colonial acontece quando a pessoa se distancia do seu mundo, da realidade ao redor, começa com uma dissociação,com uma afastamento deliberado de sua língua, de seus conceitos, de seu pensar, de sua educação enfim, da linguagem do dia a dia (p. 28).
Em sua obra The Wretched of the Earth, Frantz Fanon argumenta que a descolonização tem que acontecer em cada nível, para que aconteça a criação “de um novo homem” (p. 36) uma vez que o colonizador conquista privilégios à custa do prejuízo do colonizado, ele sente necessidade de justificar o privilégio ao criar o mito de si mesmo e o mito do colonizado. O colonizador é o virtuoso, o civilizado, aquele que tem a linguagem e comportamento corretos e por isso conquista a mais alta posição. Por meio da linguagem pode-se também reverter esta visão ao resgatar a cultura e a história do povo oprimido. Fanon enfatiza que o intelectual que escreve para o sua nação, deve escrever para compor a sentença que expressa o coração do povo e para tornar-se uma peça importante para uma nova realidade em ação (p. 179). Por fim, o intelectual nativo deve usar o passado com a intenção de abrir o futuro, como um convite e uma base para a esperança (p. 187).
Bill Ashcroft (1995, p. 300) sustenta que a linguagem é o primeiro defensor da “propriedade”, comumente mantida para incorporar ou conter o significado por uma representação direta ou de um jeito mais sutil ao determinar a percepção do mundo. “A linguagem num mundo pós-colonial, caracterizada como é pela complexidade, hibridização e mudança constante, inevitavelmente rejeita a crença numa estrutura ou num código lingüístico que pode ser descrito pelo colonizador como” “padrão.” Este rejeitar da linguagem padrão está bem visível nos textos que nos propomos analisar. Neste caso que o linguajar do povo ou até mesmo o dialeto vem como forma de descolonização. Edward Kamu Brathwaite (1995, p. 311), por exemplo, falando sobre a língua do Caribe, o inglês caribenho diz que o dialeto foi considerado um erro, um inglês ruim, uma linguagem inferior. Por outro lado, ele afirma que o dialeto ou a linguagem impura é a língua que se usa quando se quer fazer graça de alguém. “Caricatura fala em dialeto” (p. 311). A linguagem impura como o dialeto tem uma longa história de colonização de sofrimento, de distância do centro vêm do interior onde as pessoas trabalhando na roça tem sua dignidade distorcida por meio da linguagem. É neste aspecto que ambos os escritores, o brasileiro João Guimarães Rosa e o moçambicano Mia Couto podem ser considerados autores de textos descolonizadores. Os seus textos são visivelmente uma resposta a uma dominação cultural ou lingüística. Eles tecem suas histórias que são as histórias do seu povo demonstrando uma recusa em usar a língua padrão e a cultura padronizada do colonizador. Eles nomeiam a sua realidade, o seu povo e o seu ambiente, visivelmente extraindo daí uma força textual que forma harmonia com a complexa identidade cultural do povo menos privilegiado que aparecem em seus textos.
É esta linguagem do povo sofrido, esta linguagem de deboche de divertimento, esta linguagem fora do padrão, esta linguagem reinventada, “brincriada” que veremos tanto em histórias de João Guimarães Rosa e de Mia Couto. Neste trabalho exploraremos os universos rosiano e coutiano mostrando como a há identificação pelo uso da linguagem como descolonização, pois ambos se aproximam pela herança colonial, fatores de subdesenvolvimento, às trocas culturais, e à língua. Mas o que mais os entrelaça é o gesto e o gosto do com suas obras nos dão a certeza de que a literatura atravessa os tempos, as fronteiras e mergulha nas ondulações da história, para recriá-las de uma certa forma rejeitando o padrão, o oficial. Neste aspecto que há uma descolonização uma volta à língua portuguesa uma briancriacão e uma re-criação. Há também descolonização pelo fato de podermos ouvir aquelas vozes muitas vezes negligenciadas em outras vozes pela história oficial. Ambos se aproveitam da possibilidade da oratura ou da literatura oral para desestabilizar as verdades, as certezas e as identidades imutáveis.
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo. Minas Gerais, em 1908. Foi médico, atuou como diplomata, atividades que ajudaram nos caminhos para um escritor que construiria uma obra carregada de experiências humanas pungentes, aflitivas, dolorosas, com muitos mistérios. Seus textos nunca cessarão de gerar discussões, sob várias abordagens. Suas obras entre as quais Grande Sertão Veredas, Sagarana, Primeiras Estórias são conhecidas no Brasil e no exterior e no ano de sua morte, 1967 ele seria indicado para o Prêmio Nobel de literatura.
“A Terceira Margem do Rio” é um conto que faz parte do livro “Primeiras Estórias” publicado em 1962. Neste texto não é difícil perceber que o autor transpõe barreiras lingüísticas para favorecer a rebeldia no uso da língua portuguesa. A recriação,a recuperação de provérbios e dizeres revelam a busca de um mundo esquecido, mais profundo, mais primitivo. O leitor sente logo a marca da solidão, de uma viagem feita a sós, à busca das origens,ou busca a um mundo desconhecido, a algo nunca antes esclarecido. O pai que “era sério, cumpridor, ordeiro, positivo” (ROSA, 2005, p. 77) um dia decidiu fazer uma canoa pequena para ele deslizar pelo rio. Para explicar a decisão da partida do pai é que são ouvidas muitas vozes que revelam a visão de um povo humilde do interior de Minas. Mostrando convivência com o povo deste interior, o autor vai colocando a contribuição popular em seu texto. Já no início, por exemplo, se percebe a oralidade, aquilo que se ouve na boca das pessoas, como por exemplo: “do que eu mesmo me alembro (ROSA, 2005, p. 77). “Nosso pai nada não dizia” “nossa mãe era que regia e que ralhava no diário” (p. 77). A oralidade revela também intimidade, apego ao chão, à terra e à natureza. É interessante observar que na expressão da mãe, a mulher,” Cê vai, ocê fique, você nunca volte!” (p. 77), há uma gradação de uma linguagem oral para uma linguagem mais culta. Poderíamos dizer que a norma culta significa o distanciamento, a ruptura com aquela vida. Ao se afastar, ao ir embora, o homem se afasta da vida coloquial, cotidiana, íntima com a mulher, deixando de ser próximo para ser distante. A oralidade, portanto, pode ser a força da vida deste povo, a valorização do não ouvido pelo centro, do esquecido pelas autoridades, do negligenciado pelos homens “ cultos” que vivem distantes dali.Quando a mulher opta pela linguagem culta é como se estivesse assumindo outra identidade, ou assumindo a perda do seu mundo, do seu jeito de ser, como se estivesse aceitando a colonização.
Portanto, como vimos argumentando a oralidade dá força à linguagem como um meio de descolonização uma vez que convida o leitor a repensar a realidade de uma região muitas vezes negligenciada e esquecida. . A oralidade é reproduzida na fala do narrador: “o rio por aí se estendia grande, fundo, calado que sempre” (p. 77). As frases curtas também lembram ao leitor a realidade de poucas palavras de um mundo distante da cidade: Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá concordando (p. 78). A recriação ou o distanciamento da linguagem padrão, podemos dizer a rebeldia no uso da língua também é revelada pela sintaxe: “não fez a alguma recomendação”, “nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele”. Quando o autor usa expressão como “o rio-rio-rio,o rio sempre fazendo perpétuo” parece refletir o linguajar do povo do sertão do pouco vocabulário e da necessidade de enfatizar o contínuo fluxo do rio, o não parar, o continuar a existir. Podemos dizer que o constante uso de neologismos serve para mostrar a herança cultural e lingüística, para revelar conceitos que podem contribuir para o entendimento deste mundo íntimo. Vemos em “A Terceira Margem”, por exemplo, neologismos como “diluso” (p. 79) que pode ser, talvez, uma variante de diluto, diluído; “bastável” (p. 79) adaptação do verbo bastar com o sufixo “avel”, significando que pode bastar; “entrelembro” (p. 81), lembrar entre um e outro pensamento. Assim em sintonia com o contexto vão aparecendo muitos outros neologismos: “malsinar”, “demoramento”, “bubuiasse” (p. 81). Esta linguagem sugere que os mistérios da alma, mesmo das pessoas simples é de difícil acesso, de difícil compreensão. A loucura de um pai no sertão pode remexer lembranças, visitar uma consciência distante ou talvez expressar a necessidade da fuga de um mundo que não podia ser seu. Pelo rio, o pai pode estar buscando a si mesmo, buscando mistérios que ainda não pode compreender em si mesmo. Esta mesma busca, de um modo mais sobrenatural, acontece no conto “Nas Àguas do Tempo “de do moçambicano Mia Couto.
Mia Couto nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Atuou como jornalista, biólogo e, como escritor, tem construído uma vasta obra que mostra a realidade de um país repleto de vozes singulares, apresentadas ao leitor pelo forte imaginário do autor que se dilui ao imaginário do povo moçambicano. Segundo o próprio autor a utilização deste apelido tem a ver com sua paixão pelos gatos e desde pequeno dizia a sua família que queria ser um deles. Ele disse uma vez que não tinha uma “terra-mãe” — tinha uma “água-mãe”, referindo-se à tendência daquela cidade baixa e localizada à beira do Oceano Índico para ficar inundada. Entre os romances se destacam Terra Sonâmbula, O último Vôo do Flamingo e o Outro Pé da Sereia.
Por diversas vezes em várias entrevistas Mia Couto tem confessado que obra de Guimarães Rosa influenciou seus escritos. Foi por meio do angolano Luandino Vieira. que ele chegou a Guimarães, como confirma o autor em entrevista em 13 e janeiro de 2009:

O Guimarães foi uma iluminação para mim, uma descoberta importantíssima. Eu tinha feito já um livro, Vozes anoitecidas, em que eu me deparava com essa coisa do como é que eu vou escrever usando esta língua portuguesa herdada dos portugueses com uma estrutura, uma lógica, uma racionalidade e como esta língua pode contar as histórias que eu quero, como pode dar luz a esses personagens que vivem numa outra cultura4.

Parece que podemos afirmar Guimarães por meio do Angolano Luandino Vieira ajudou Couto a refletir, repensar e revisar questões de herança lingüística, questões de fronteira entre a escrita e a oralidade, questões que refletem a descolonização pela linguagem:

Luandino [Vieira] foi a primeira influência grande. Ele faz isso com o linguajar de Angola, particularmente dos subúrbios de Luanda. Depois, numa entrevista que Luandino deu, eu tomei conta de que existia um tal João Guimarães Rosa deste lado. Mas não tinha nenhuma maneira de chegar até ele, porque nós tínhamos a guerra e não havia coisas do Brasil circulando. Pedi a um amigo que me trouxesse um livro, trouxe Primeira Histórias. De facto, foi um momento mágico. A escrita do Guimarães Rosa está cheia não só desse trabalho de reconstrução de uma língua mais plástica, mas também há ali um convite para que a oralidade invada a escrita, numa espécie de transbordarão daquilo que é a lógica da escrita, que se deixa ir por outra lógica. Acho que é mais do que um trabalho lingüísticopoético. É uma coisa que tem a ver com a fronteira entre a oralidade e a escrita, isso é que foi importante para mim (COUTO, 2009 – entrevista).

No conto “Nas Águas do Tempo” que faz parte da coleção Histórias Abensonhadas, Mia Couto, como no conto de Guimarães Rosa, apresenta vozesque se diluem com o correr do rio. A oralidade e a recriação são as marcas das falas das pessoas. Neste conto o narrador não é o filho, como em Guimarães Rosa, mas é o neto: “Meu avô nestes dias me levava rio abaixo” (p. 13). Nas duas estórias a mulher fica na terra e os homens buscam o rio como se à procura de um mistério. Parece que a mulher, como aparece em outras estórias dos dois autores deve se apegar mais à casa, ao chão, enquanto que o homem pode seguir o fluxo da vida, ou o fluxo do rio, sempre revalorizando as vozes antigas, a voz interior, os ancestrais, o quase esquecido:

Enquanto remava um demorado regresso, me vinham à lembrança as velhas palavras de meu velho avô: a água e o tempo são irmãos gêmeos, nascidos do mesmo ventre. E eu acabava de descobrir em mim um rio que não haveria nunca de morrer. A esse rio volto a gora a conduzir meu filho, lhe ensinando a vislumbrar os brancos panos de outra margem (COUTO, 2003, p. 17).

Como Guimarães Rosa, Mia Couto, recria, dentro da língua portuguesa, uma outra língua culturalmente remodelada, baseada na oralidade, nos costumes e na sabedoria do povo. Por exemplo: “[...] Ele remava, devagaroso, somente raspando o remo na correnteza.O barquito cabecinhava, onda cá, onda lá, parecendo ir mais sozinho quer um tronco desabandonado” (COUTO,2003, p. 14): Como em Guimarães, os verbos são criados a partir de nomes, prefixos são utilizados para recriar e reinventar palavras com significado específico para o momento. É bom lembrar que não se pode dizer simplesmente que o autor moçambicano recria a linguagem passando da tradição para o texto. Segundo estudiosos, como Iolanda Cristina (2003) e Maria do Carmo Lanna Figueiredo (2003), Mia Couto não faz uma simples recriação dos elementos da tradição para o texto, porque ela ainda é vivida pelo seu povo, especialmente no que diz respeito à população que vive no meio rural, ainda sem acesso à alfabetização, tendo como forma potente de comunicação a oralidade. É esta oralidade viva e pertinaz que fica visível por exemplo no deslocamento da ordem sintática, semântica e lexical, como na prefixação, sufixação etc. Argumentamos que ela serve para dar força de expressão a vozes amortecidas num país pobre e colonizado.
Os neologismos em Mia Couto, como em Guimarães, servem também para mostrar a herança cultural e lingüística, de um povo que fica longe dos centros de poder. Expressões como “devagarosos” “ agorinha”, desbengalado”“ solavanqueava”, “ensonada”, “ sonecando”, “espantável”, “desequilibrismo”“ alonjar-se” “ arrepioso”, “barafundido” “neblinaram”, entre muitas outras”,são marcas de Mia Couto em suas estórias e revelam a importância que se dá às populações esquecidas, semi ou completamente analfabetas, que se expressam pela palavra dita e não escrita. Os recursos do autor moçambicano, como do autor brasileiro, não somente dão graça ao texto, mas também chamam atenção do leitor para um mundo diferente, um mundo esquecido, negligenciado que precisa ser ouvido e que contém uma riqueza cultural inestimável.
Assim a narração, a memória e a História se entrecruzam de tal maneira, que o leitor percebe que a ficção agradável de se ler não fica muito distante da realidade social. Neste caso, a postura dos autores não é apenas uma questão de estética, mas também ideológica. Neste aspecto o texto descoloniza o antigo, o tradicional, o oral o português dos cantos mais pobres. A tradição em Couto como em Guimarães não é algo para ser evocado ou apenas lembrado, mas, da mesma forma como permanece viva em seu país, traduz-se no texto. Ao lermos, ouvimos, um “falar”; de vozes que privilegiam a oralidade, as raízes, as origens, as lembranças velhas, o quase esquecido. Como diz Iolanda Cristina Santos no artigo “Brasil e Moçambique: Estórias
que se contam”.

Uma das marcas desta linguagem é a oralidade, responsável por dar vigor ao texto e traduzir a vida, as vivências, costumes e comportamentos das diversas comunidades culturais de Brasil e Moçambique. Nesse sentido é importante ressaltar que Moçambique, sendo um país cuja cultura é predominantemente ágrafa, não somente a literatura, bem como a história recorre, quando necessário, à tradição oral, utilizando-a como fonte (ver http://www.segundocoloquioafricano.ufjf.br/iolanda.pdf).

Como temos demonstrado, além das características da tradição oral, a criação do autor também acolhe vários neologismos também na forma textual como semântica. Isto, não é somente uma postura estética ou lingüística, mas postura descolonizadora que pretende dar força às diferenças, às vozes negliciadas ou esquecidas. A ligação com o mundo antigo, entre sonho e realidade proporciona nova visão:

Presenciei o velho a alonjar-se com a discrição de uma nuvem. Até que, entre a neblina, ele se declinou em sonho, na margem da miragem. Fiquei ali, com muitoespanto, tremendo de um frio arrepioso.... Enquanto ainda me duvidava foi surgindo, mesmo ao lado da aparição, o aceno do pano vermelho do meu avô. Fiquei indeciso, barafundido. Então, lentamente, tirei a camisa e agitei-a nos ares. E vi: o vermelho do pano dele se branqueando, em desmaio de cor. Meus olhos se neblinaram até que se poentaram as visões (COUTO, 2003, p. 14).

Deste modo, Mia Couto como Guimarães, reflete o que Fanon (p. 36) argumenta, isto é, que o intelectual quando escreve para seu povo deve escrever no sentido de resgatar a esperança, de mostrar as margens que tem muito a tecer com o centro. Podemos concluir, portanto, que os textos de Mia Couto e Guimarães Rosa podem ser lidos como textos descolonizadores, ao usar a linguagem para mostrar rebeldia à visão estereotipada de um país, de uma região, de um povo. As vozes amortecidas, negligenciadas, distorcidas aparecem para fazer a diferença, para anunciar um outro mundo. Ademais, os textos de Guimarães e Mia Couto, argumentamos, dialogam entre si para reafirmar, inverter, contestar e deformar alguns de seus sentidos. “A Terceira Margem do Rio” e “Nas Águas do Tempo”, revelam que prosa e poesia se confundem para mostrar uma realidade nunca antes percebida. Ambos os autores tratam da angustia do ser humano diante do mistério da vida e da morte. Concluímos que os dois autores nos contos analisados escrevem textos de descolonização usando a linguagem para desvelar, revelar e desmantelar a “verdade” ou a mentira do colonizador. Logicamente pode-se perceber diferenças nos contos dos autores. Em Mia Couto, parece haver mais uma preocupação com o processo da criação ou melhor recriação da linguagem e menos com a história em si ou com questões psicológicas mais profundas. Segundo o autor moçambicaono(2007), a idéia de recriar, dentro da língua portuguesa, uma outra língua culturalmente remodelada, concretiza a possibilidade de mediação entre classes cultas e simples por meio da fala. "Somente renovando a língua se pode renovar o mundo", argumento o autor. Mia Couto também explora mais a questão do sobrenatural, do apego aos antepassados. A sua narrativa parece ser mais brincalhona e mais leve enquanto que em Guimarães a narrativa vai se tornando densa, como se sugerisse a necessidade de se recorrer à Psicologia para entender os mistérios do pai. Os textos sugerem que a Linguagem é fundamental para a descolonização. Eles chama atenção sobre a língua do outro, isto é sobre outras variantes “ impuras” a linguagem do povo apegado à terra, à casa, ao rio. Os autores mostram que a força da linguagem pode ser demonstrada pelo poder de nomear e renomear, pois nomear é estar próximo, é entender, renomear, recriar a linguagem é uma forma de dizer que não se aceita a imposição ou a colonização.

REFERÊNCIAS
ASHCROFT, Bill. Constitute Graphony. In The Postcolonial Studies Reader. Ashcroft, B. Griffiths G
e Tiffin, H. London and New York: Routledge. 1995
COUTO, Mia. Nas águas do tempo. Estórias abensonhadas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
COUTO, Mia. Venenos de Deus, Remédios do Diabo: Rio Nova Fronteira, 2008.
COUTO, Mia. Palestra realizada na manhã desta terça-feira, dia 3 de julho 2007, no auditório da
reitoria da UFMG. Mia Couto usa obra de Guimarães Rosa para explicar semelhanças entre Brasil
e Moçambique. Centro de Comunicaçaõ da UFMG, 03/07/2007.
COUTO, Mia. Entrevista a Fabio Salem, Nivaldo Souza, Rodrigo Antonio, Rodrigo Turrer e Thais
Arbex Pinhata. Disponível em http://group. xiconhoca.com/2009/01/13/mia-couto-autor-de-oultimo-
voo-do-flamingo-entrevista/
A Cor das Letras — UEFS, n. 10, 2009 99
FANON, F. The Wretched of the Earth. London: Penguin books, 1983
FIGUEIREDO, Maria do Carmo Lanna. Sacudindo o sentido do mundo: o texto e a mulher em
Guimarães Rosa e Mia Couto. In: Veredas de Rosa II. II Seminário Internacional Guimarães Rosa.
2001. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2003.
NGUGI, Wa. Thing´o Decolonizing the Mind: The politics of language In AFrican literature. London:
James Currey, 1986.
ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. São Paulo : Nova Fronteira, 2005
ROSA, João Guimarães. Noites do sertão. Rio de Janeiro/São Paulo: Record/Atalaia, n.d. Disponível
em: xiconhoca.com/2009/01/13/mia-couto-autor-de-o-ultimo-voo-do-flamingo-entrevista.
SANTOS, Iolanda Crsitina dos. Brasil e Moçambique: estórias que se contam. Iolanda Cristina dos
Santos. Disponível em www.segundocoloquioafricano.ufjf.br/iolanda.pdf

1Doutor em Letras, Professor de Literatura de Língua Inglesa da Universidade Federal de Rondonia (UNIR); endereço eletrônico: mneneve@hotmail.com

2Aluna PIBIC do Curso de Letras Ingles da Universidade Federal de Rondonia (UNIR); endereço eletrônico: kim_rosely@yahoo.com.br.

3 Palestra proferida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no dia 3 de julho 2007,
no auditório da reitoria da UFMG. Disponível no periódico Centro de Informação da UFM.

4 Entrevista a Fabio Salem, Nivaldo Souza, Rodrigo Antonio, Rodrigo Turrer e Thais Arbex Pinhata. Disponível em: http://group.xiconhoca.com/2009/01/13/mia-couto-autor-de-oultimo-voo-do-flamingo-entrevista

Artigo em A COR DAS LETRAS, UEFS, NUMERO 10, 2009

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Bravas mulheres brasileiras - Brave South-American women - Rose Siepamann

Bravas mulheres brasileiras
                                               (Rose Siepamann)

Quando, em fevereiro a terra danou-se a tremer, no Chile, eu estava tremendo de frio aos pés do majestoso Pikes Peak, no Estado de Colorado. Na academia onde eu estava malhando, havia apenas uma semana, chegavam perguntando se eu era Chilena. As suposições nao me molestavam. Acho que seria bom ser do Chile: economia estabilizada, presidente mulher, excelentes estradas e viadutos, boa produção agrícola, índice de violencia baixo (ops, era baixo). Sim, parece que nao seria difícil ser do Chile, mesmo com tantas inetempéries. Sinto muito irmãos, tao próximos, tão latino-americanos como nós! Sejam fortes!
E... de volta à questão de ser ou não de determinada naturalidade, naturalmente (para usar palavras com o mesmo radical),  e pensando melhor, eu escolheria ser brasileira. Apesar dos pesares, consciente de algumas bobagens que teimam em existir em tempos como esses. Embora a nossa fama, mulheres brasileiras, tenha melhorado muito, ainda sofremos algum preconceito e nosso estigma não é la grandes coisas. Não é motivo suficiente grande para gente querer se vender para outra nação. Embora eu, euzinha, tenha ensaiado algo parecido, ha tempos atrás, e me envergonho de tê-lo feito. Em Portugal, quando eu ia de "comboio", todas as manhãs e tardes de Cascais para Lisboa e vice-versa, há pelo menos uns oito anos atrás, enfeitava o meu sotaque pra que ninguém percebesse que eu era brasileira. As mulheres respeitavam mais, os homens olhavam menos. (Talvez, acreditem, pudesse ser fruto dos meus preconceitos internos e ocultos, ocultos até mesmo para a  minha consciência). Na Espanha nos anos noventas, na ilha onde eu morava, era muito complicado ser brasileira e nao ser prostituta. Eu trabalhava em uma galeria de artes e às vezes alguem me perguntava se eu trabalhava a noite em "algum outro lugar". Só se eu fosse superwoman! Aquela loja consumia quase quatorze horas do meu dia!
Há pouco tempo,  conversava com um americano, conhecido meu, e ele depois de falar sobre muitas coisas perguntou se eu tinha visto o caso de uma moça que foi expulsa de uma universidade de Sao Paulo “and so on”. Que saco de assunto! Todos sabemos sobre esse episódio! Entao ele saiu com essa: This is kind of weird, because in Brazil, everywoman behaves this way. I mean... (Isso eh um pouco estranho, porque no Brasil todas as mulheres vestem roupa curta e sao sexy. Quero dizer...), leitores e leitoras, às vezes eu traduzo inclusive o que foi dito nas entrelinhas, por isso a sentença fica bem maior do que a em inglês. Justificada? Ele parou assim que viu no meu semblante uma certa interrogação...na verdade era desdén:  ele me parecia mais inteligente antes de tocar nisso. I was disapointed! (Estava desapontada) Caros e caras conterrâneas do nosso querido Brasil, eu nao pude discordar em nada com aquele comentário, que é grosseiro, mas que nao deve ofender ninguém, nem as mais puritanas brasileirinhas. Eu, por exemplo, nao sou alguém que usa vestidinhos curtos, na verdade eu tenho pernas de saracura, tampouco tapa-sexo para me divertir no carnaval! E muitas outras mulheres são assim, mais recatadas e não gostam de serem colocadas no mesmo balaio (eu adoro balaios) que estao as mulatas do Rio, as universitarias de mini-saia, as "atrevidas e desbocadas", as bonitinhas que seduzem "gringos inocentes" e vao pra Europa enganadas ou nao para ganhar a vida unindo o util ao agradavel ou... desagradavel.. Eu nem ligo, nesse balaio (que eu adoro) há de tudo um pouco e é divertido ver tanta diversidade (mesmos radicais, again) e nem seria possivel dizer o que eh mais "certo", o que eh mais bonito (se eu tivesse que escolher, votaria nas mulatas, lindissimas, sarradas e com aquela marquinha de biquini.... morro de inveja!!!). Ou o que é mais decente e menos ofensivo aos olhos da sociedade?

 Eu nao ia gastar meu ingles pra argumentar alguma coisa em defesa ou nao da minha classe "injustiçada"? Justiça, também é algo que ...em outra ocasião... falaremos de alguma justiça. Apenas me limitei a dizer: Esse seu pensamento, e de muitos outros americanos, é muito ingenuo. Seria o mesmo que eu dizer que todos os americanos, sem exceção, comem Fast Food (porque assim pensamos nós, brasileiros, muitos, eu pelo menos) e por isso sao gordos. E que ser gordo é feio e ruim e pronto.(  Na hora não me veio nada melhor, poderia falar da pasta de amendoim ou dos donuts). Seria simplificar muito as coisas. Pegar uma amostra pequena e generalizar a partir do resultado que a pesquisa apresenta. You got it?! (Sacou, meu chapa?) Nao sei se ele entendeu, e... eu tinha mais o que fazer. Na verdade esse é um tipo de conversa que ja deu tudo o que tinha que dar. E o  Brasil e os brasileiros(as) vendem uma imagem e se ofendem com os resultados. Por que vender a imagen que nossas mulheres são “gostosas”, embora ignorantes, boazudas que se rendem a qualquer canto ou cantada de gringo….
Quando terminei a conversa com o tal colega de "workout",(malhação) o que me veio a cabeca foi "kind of weir..." (isso voce ja sabe o que eh) “Como somos capazes de trabalhar e moldar tao bem os nossos corpos (o dele era um espetáculo, musculos e mais musculos) e nos custa tanto a parar de dar importância pra coisinhas tao insignificantezinhas e de uma falsa moralidade tão mesquinha?”
                                                                                               Marco, 2010

Brave  South-American women
                                               (Rose Siepamann)

When, in last February, the earth shook in Chile, I was shaking  at the foot of the majestic Pikes Peak, in the state of Colorado, US: I was feeling cold.  In the gym, where I was exercising, I had been attending there only for a week, they started asking me if I was a Chilean woman. Their assumption did not bother me, of course. I thought it was good to be from Chile: a good economy, a female president, very good roads, viaducts, low level of violence (oops it used to be low), good agriculture, Yes, it would not be difficult to be from Chile, even with such bad weathers.  I am very sorry, my close Latin American brothers. Be strong!
And…returning to the question of being or not being of a determined nationality or origin and thinking better, I would choose to be Brazilian. In spite of any burden one may have and being aware of some drawbacks, I would opt to be Brazilian. Although the image of Brazilian women has changed for the better, we still suffer prejudice, the label they put on us often is not good. Even  our brothers from south-American countries, such  as Guyana. This is not however, a reason for us to wish to belong to another nation. I, a simple Brazilian woman  once almost dared to  think of changing my nationality. Now I feel ashamed of letting this thought come to my mind.
In Portugal, when I used the  "comboio" (train) every morning and afternoon from Cascaes to Lisbon  and then the way back, some eight years ago, I tried to adorn my accent in a way people may think I was Portuguese or at least, not a Brazilian.
Women respected me more,  men looked less at me. (Perhaps , believe me, it could be my own internal prejudice, hidden in the deep of my consciousness). In Spain (in pain), in the 1990s, in the Island where I lived, similarly to some other countries , to be introduced as a Brazilian woman, was almost the same as to be introduced as a prostitute. I was working in an Art Gallery and men used to ask me if in the evening I worked in “ another place.” As if I were a superwoman. The work at the art gallery was time and energy consuming.
Not so long ago, am American, acquainted of mine, asked me if I had known the case of a Brazilian woman who was expelled from the University in São Paulo for not dressing adequately.. What a nuisance! All Brazilian know this episode.  Then he said “ This is kind of weird, because in Brazil, everywoman behaves this way. I mean.. they do not dress properly.  (That is …I mean …every woman likes to appear sexy)”. I could feel what he was saying in between the lines…He saw in my face an interrogation mark, in fact  it was an expression of abhorrence, contempt, “ Verachtung”:  at the beginning he seemed to be more intelligent, but through this conversation I realized how laughable he was ( I was disappointed).
Dear South-Americans, dear Guyanese, dear Brazilians, this rude comment by the American is based on some facts. It should not offend any Brazilian, not even the most puritan ones.  I  do not like to dress myself in short skirts or dress, in fact my legs are not so attractive. I would not dress sexy clothes not even during carnival time. And many Brazilian women are like that.  We do not like to be put in the same “hamper” (I like the word hamper)  with any Brazilian mulatto from Rio de Janeiro, with those nice legs who like to seduce the “gringos” and go to Europe, cheated or not, dreaming of leading a wonderful life.  It does not matter. I don’t  care about  this “hamper” . One finds a little of everything in it  and it would even be difficult to say what is right and what is wrong what is correct and what is erroneous, what is more decent and less decent or what is more or less offensive to the eyes of the society.

 I would not   spend my time arguing with the impolite  American just to defend the Brazilian women about from unfair judgment   about the stereotyped Brazilian women. I just said to him: “this is the idea of many Americans, it is very naïve. It is the same as saying that all Americans eat fast food and that is why they are fat and ugly.” It is easy to generalize, to put people in frame. You just take a sample and invent your truth. With one example you say you have the result of your research.  “You got it?!”, I finished.
I don´t know whether he understood or not. In fact, this is a kind of conversation that cannot go further. Brazilians sell their images sometimes and then get offended with the results.  We advertize Brazil with pictures of  “tasty” women, trying sometimes to attract tourists. Of course we pay the price here and there.
 When I finished the conversation with my colleague ( at a Gym) a question came to my mind: “How can we work to shape our bodies so well and we cannot exercise our minds in order to stop prejudices and stereotype? Why can´t we work our mind and spirit in order to stop being so moralist , why can´t we stop judging people according to old labels ?   

sábado, 18 de dezembro de 2010

Algumas imagens.....




                                                           Professor Miguel Nenevé


Professor Miguel Nenevé


 Roseli Siepamann



Have you heard the owl hooting? / Você já ouviu a coruja piar?

VOCÊ JÁ OUVIU A CORUJA PIAR? HAVe yOU HeARd tHe Owl HOOtIng?
Miguel nenevé - Rose Siepamann

São Paulo 2010

HAVE YOU HEAR THE OWL HOOTING?
/ VOCE JA OUVIU A CORUJA PIAR ? (Miguel Nenevé e Rose Siepamann)


O escritor canadense de renome internacional, Cyril Dabydeen  escreveu:

Estas histórias seguem a melhor tradiçao da escrita brasileira e sul-americana e fazem a gente lembrar do guatemalteco Augusto Monterosso, na categorizaçao assombradamente memorável e o conjunto de símbolos como metáforas que cintilam com a naturalidade orgânica das histórias , a sua autencidade e a interioridade da narração manifestada na melhor tradiçao poética. Realmente as histórias são mais jornadas surreais ao entrelaçar o tempo e o espaço no seu cenário essencial que se pode ver em cada sentença. “ Have you heard the owl hooting ? Voce já ouviu a coruja piar?” é uma trabalho de tecitura que versa sobre a severa realidade de vida das pessoas , sua doçura e suas fraquezas sem iguais.
   (Cyril Dabydeen, contista e romancista canadense, premiado no Canadá e na Inglaterra)

A poeta canadense Penn Kemp, escreveu:

Miguel Nenevé and Roseli Siepamann  distill the existential nature behind seemingly ordinary events into a clarity of perception that brings his native Brazil to life in all its complexity.  Their narratives reveal characters out of time, but rooted in local specificities of place that reverberate throughout this collection. Their descriptive vignettes, each self-contained, relate their story not only by what they tell but by what they portray of fauna, flora and personae. … With gentle, unmoralizing humanity, Nenevé  and Siepamann elucidate the conflicts of class and culture.  They deftly handle the themes of back country versus city life, of nostalgia and loss.

Miguel Nenevé e Rose Siepamann destilam a natureza existencial que está atrás dos eventos aparentemente simples dentro de uma clareza de percepção que dá vida a sua terra natal, com toda a sua complexidade. A sua narrativa revela personagens fora do tempo, mas enraizados em particularidasdes de espaço que reverberam por toda a coleçao de contos. As suas vinhetas descritivas, densas, com poucas palavras, retam as histórias não somente pelo que elas contam da fauna e flora e as personagens.
Nenevé and Siepamann elucidam os conflitos de classe e cultura. Eles trabalham com profundeza os temas do interior do país em contraposiçao com a cidade, a nostalgia e a perda.

(Penn Kemp, poeta e ensaista. Escritora residente da Universidade de Western Ontario, Lonodn, Canada)

O crítico literário de Georgetown, Terry Laurence escreveu: “outstanding Brazilian Literature.”









Stabroek News - Caribbean in the Amazon: A reading of Marcio Souza´s Mad Maria

Features, Sunday | Sunday, July 25, 2010 


Arts on Sunday presents another in a series of articles revealing the Caribbean interest in Brazilian literature, and Guyanese writers’ engagement with Brazil. These comparative discussions assume greater importance because of the growing impact of Brazilian culture in Guyana and the long history of cross-border associations. Miguel Neneve is Visiting Professor of Portuguese in the Department of Language and Cultural Studies at the University of Guyana. Rose Siepamann is a Brazilian literary critic. -  ALC



By Miguel Nenevé and Rose Siepamann

Millie gone to Brazil, oh lord, poor Millie” (Barbadian song)


During the “rubber boom” in the Brazilian Amazon,  between 1880 and 1912, the construction of a railroad linking the Madeira River in Brazil to the Mamore River in Bolivia was undertaken to solve the problem of  rubber transportation in that region. The railway would help to get the Bolivian rubber out of the jungle, past the rapids on the Madeira and then reach the navigable part of the river in Porto Velho, in the state of Rondonia. For the construction of the Madeira-Mamoré railroad, many African-Caribbean workers, especially from Barbados, were taken to that part of the Brazilian Amazon. The enterprise was first a British project but later was controlled by the American Percival Farquhar who had a Brazilian business empire. 

This “adventure in the Amazon” brought about the death of about six thousand workers, caused by Indian attacks, malaria and many other diseases. Marcio Souza, a very well known Brazilian writer from Manaus, wrote an important novel, Mad Maria, based on this historical fact. In this article we intend to discuss the presence of Barbadians and the treatment they receive in this 1980 Brazilian novel.

Using a satirical tone, like in many of his novels, Marcio Souza, in some ways, mocks the foreign businessmen who believed they could control the jungle as their personal domain. The author tells the stories of many people from different countries, looking at the enterprise from different positions, all of them in some way connected to the railway. Mad Maria becomes a very significant work as it offers the readers many opportunities to revise concepts about the Amazon and the regional development.  The readers meet for example, the Amerindian who saw his land invaded by the workers; the naïve American doctor Finnegan, who could not prevent the workers from dying of malaria; the railroad builders who had worked on the Panama Canal; the British engineer and the low wages paid to workers such as the Germans, the Chinese, the Italians and a large number of Barbadians.

The term “Barbadian”, in fact, was used as a globalizing identification attributed to the foreign Blacks who went to the Amazon from several parts of the Caribbean, mainly Barbados, but also from Saint Lucia, Trinidad and Tobago and even the Guyanas. They migrated, or rather were taken, to the Brazilian state of Rondonia which was a wilderness in the beginning of the twentieth century.

Therefore, it was a migration motivated by work, by the search for a new life, causing the rupture of family roots and culture as well as producing a feeling of displacement and lack of emotional ties. Marcio Souza´s novel introduces these workers at the beginning of the novel: “the Barbadians had already begun to sweat heavily, their black muscles gleaming as they worked, wading into waters up their knees.” Their job was “to cut the railway through the mainly terrain of Rio Abuna: seemingly not an impossible operation. After all, hadn´t six Barbadians just hugged a rail over to where still others were hard at work opening trenches with picks and spades?”(10) Under the order of the English engineer, Collier, the Barbadians worked hard for the American enterprise. The narrator reveals that the “Barbadians” were treated with respect by the engineer, because they had a history of railroad building in other countries. They had the knowledge and the resistance to bear the difficult conditions in the jungle: “The Barbadian was a bloody good worker” (11). For the narrator, the Barba-dians are different, “they know the work they do, they are professionals.”

M   ad Maria describes in vivid details the suffering of the working force:  “The heat by now was burning into the backs of the Barbadian workers, although they at least had the sense to protect themselves… The metallic luster of the tracks was nearly blinding in the sunlight.” (10)  Further on the narrator tells us about the conditions that the “Black English” had to face under the pressure of the work. The place they slept in was a “crude structural framework, built of tree trunks” where they strung up their hummocks. The narrator affirms: “They slept there, yes but to characterize the place as a dormitory was to euphemize rather cynically.” The hummocks were lined up in parallel rows with the “dormitory” itself divided into two wings. “They had problems with mosquitoes and the rain was another matter as the ‘dormitory’ was roofless.” The infirmary was always full of people with malaria, injuries and several diseases. The American doctor, Finnegan, could not accept the culture of the people who did not want him to perform autopsies on the dead people. A Barbadian warns him: “No. You profanin´de corpses! Goddom white mon always haves to scomble up de dead!” (40). According to the belief of the “Barbadians”, one had to preserve the integrity of the dead. Unlike the doctor, the engineer Collier was sympathetic to the Barbadians reaffirming that they were excellent workers and that they “never start any fight. They just defend themselves.”  However, no one should touch their dead.

If the engineer respected “the Black English,” they had, however, to suffer  the prejudice from the workers of other nations, mainly the Germans. These workers seemed to have a “natural inclination” to dislike the Black West Indians : “The German workers had paused in their digging to look up at the Barbadians carrying the rail. The Germans had come to manifest a particularly hostile regard to these Negroes. (22)” Inexplicably they disliked the Barbadians, although not  the Chinese, the Spaniards, or any other nationality or race present on the line of construction. On the other hand, from the Barbadians “there came only a hostile indifference” towards the Germans. They lived together not mixing with anyone from the other races.  

Perhaps it is possible to say that the Barbadians´ history of slavery, the conditions of the lives they had before, the suffering, the striving for survival, made them able to prevail over those harsh conditions of life. As the narrator says, “they were men who cared little of being there or in any other place (326).

However, when the young German, Hans, accuses them of being thieves, “dirty swines” and tries to hit the Black with a pick ax, the Barbadians react and kill the German: “One of the Barbadians nearest to the galloping German drew his machete from his belt and with a precisely timed movement swung the blade with all his strength, adroitly beheading his attacker” (25). This was the beginning of a long fight which caused five deaths (3 Germans and 2 Blacks). The disagreement between the two groups of workers will last until the Germans decide to escape through the forest and die.

 Marcio Souza invites the reader to go further into the history of the ‘Barbadians’: “… the Negro population of Barbados was made up of slaves garnered from a multiplicity of African tribes but predominantly Congo, Aradas, and Nago. A great number of such slaves were originally Moslems but over the generations had lost all ties to their faith and adopted in their stead the religious practices of the masters”(101). As Jonathan says to the American doctor when referring to their religion and culture: “Is not too common. I tell you dot, Doct Finnegan, but then I figure de history bout Barbados not too familiar to you most wise anyway. .. but you probably knows dat most of dem islands dere is inhobitd by the Africans. When the African slave come to de islands he find de Indians already long dead, decimated by the white mon” (122).

By reading Souza´s Mad Maria one is offered the opportunity  both to see a little of history of the building of the “Devil´s Railroad” and to reflect on the conditions of the Caribbean workers who were transplanted from the West Indies to the wilderness in order to live under so many adverse conditions. One can conclude that besides satirizing the dream of bringing “progress” to the jungle, Marcio Souza reveals himself to be sympathetic to the Caribbean (“Barbadian”) workers and perhaps a critic of the prejudiced Germans.

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    Brazil/Guyana http://mediacdn.disqus.com/1292627651/images/themes/narcissus/moderator.png4 months ago
    • I heard of this book before and i would like to get a copy of it some day. I will do some research here to see if i can get it. I never went to Rondonia but i heard of Barbadians living there who were brought to work a long time a ago. In Brazil you also have, little Germany, Little Italy, Little Japan etc..who has a similar history in their new home.
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    Good to hear of your interest. If you have problem in finding the book, I can send you a copy. You talk about "little Germany" and I happen to be from Santa Catarina in the South, where we have a good population of German descendants ( I and Rose Siepamann) have German background.

    sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

    Outros tempos e outras histórias - Miguel Nenevé

    Outros tempos e outras histórias é uma coleção de contos sobre a vida simples de pessoas do interior. As memórias da infância parecem que se misturam com reflexões sobre a vida, com questões psicológicas a serem investigadas. Todas as histórias de certo modo remetem o leitor a um passadoque é muito presente na alma das pessoas. É o menino que foge de casa para não apanhar do pai e fica observando o mundo em cima de uma árvore, um mundo diferente; ou o piá que quer saber o que existe do outro lado da montanha sem que ninguém o informe, fazendo lembrar até uma história do grande escritor americano John Steinbeck “_ e Great Mountains.” Assim o autor proporciona ao leitor uma viagem ao passado de um menino do interior que observava o mundo sem falar muito, mas guardando tudo em sua alma para reviver mais tarde. Há , portanto, um diálogo com o passado, às vezes certa nostalgia, mas ao final tudo parece reviver e ter graça. Até os contos que apresentam reflexões sobre a morte como “ A morte anunciada” e “Uma morte desejada” de certa forma terminam bem, sugerindo algo elevado, engraçado.