segunda-feira, 7 de julho de 2014

Do amor a estereótipos , a preconceitos e ao maniqueísmo.*
                                   Miguel Nenevé
Octave  Mannoni, escrevendo sobre  a “Psicologia da Colonização” afirma que o colonizador tem uma necessidade psicológica de ter “alguém inferior”. Ele, o colonizador, sai de sua terra para se reafirmar, para confirmar que há um lugar onde vivem monstros, pessoas mais feias, lugares amedrontadores. Assim, mais do que o lucro, o colonizador busca, na colônia, “uma satisfação psicológica, o que é muito mais perigoso.”  Esta satisfação psicológica faz com que o colonizador, o europeu ou o que vive “no centro”,  espalhe a crença que do outro lado da terra, em outra parte do mundo, para além do mar ou do rio, há pessoas estranhas, com costumes exóticos, vivendo  num mundo ao avesso. Parece que há uma satisfação em afirmar que ao contrário do nosso cosmo existe um caos quando cruzamos a fronteira.  Isso se reflete  na literatura, como analisa Edward Said em sua obra Orientalismo, quando mostra como autores europeus, principalmente da França e da Inglaterra, apresentam o Oriente como o “outro” , o feio, o perigoso e o inconfiável. Este prática discursiva colonialista é com frequência percebida também na imprensa  nossa do dia a dia. Reforça-se uma crença comum , uma visão (e divisão) maniqueísta entre o bom e ruim, o bonito e o feio  entre o que é de Deus e do demônio, entre a carne e o espírito, entre o corpo e alma e , visivelmente entre o Norte e Sul , entre o Ocidente e o Oriente.
Assistindo a alguns jogos da Copa do Mundo pela televisão, tenho ouvido comentários de locutores esportivos e da imprensa de um modo geral  sobre nosso clima muito quente. Tem-se creditado o desenvolvimento fraco de alguns jogadores do hemisfério norte ao calor do Brasil.  O jogo entre Portugal e Estados Unidos em Manaus , causou inúmeros comentários exagerados de nossos locutores brasileiros que repetem um discurso colonialista. O locutor de uma emissora o tempo todo lamentava que os “coitados” portugueses e norte-americanos tiveram que jogar em “uma clima insuportável.”  Extremistas as lamentações de alguns locutores! Todo olhar atravessado de um jogador era interpretado como sofrimento por causa do calor. A toda  hora se  mencionava a dificuldade de respirar por causa do “clima insuportável de Manaus.”  Sem nunca mencionar quantos graus marcavam os termômetros,  repetiam-se lamúrias em nome dos visitantes. Com uma ladainha de lamentações sobre o clima ”quase intolerável”  ficou até difícil de assistir ao jogo em determinado canal. Intoleráveis acabaram ficando as lamentações do locutor.

Refletindo sobre os comentários e  a  “pena” dos visitantes, que o locutor dizia sentir,  lembrei-me que a única vez em que realmente experimentei um calor sufocante, quase insuportável,  que sugava a pele, foi no estado de Colorado, nos Estados Unidos, num mês de agosto. Muito pior que um calor vaporoso de 34 graus da Amazônia, o calor seco de 40 graus me deixava ansioso para partir o mais rápido possível do o local. Quando conto isso a pessoas que acreditam que nos Estados Unidos é sempre mais frio que no Brasil, vejo um ar de espanto e incredulidade.  Isso é motivado pela crença que um local deve ser sempre quente, insuportável e o outro sempre frio, com temperatura sempre inferior  a nossa e mais saudável.  Quem não conhece o local e ouve imprensa repetir constantemente esta “verdade”  maniqueísta que coloca “norte contra o sul”, “paraíso contra inferno” entre outras concepções, passa a propagar a ideia dos opostos. Parece que há necessidade de reafirmar que há um mundo exótico a ser dominado...O discurso do colonizador repetido pelo colonizado.
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* publicado anteriormente em Cronicália (coordenado por Vitor Hugo Martins)