domingo, 10 de fevereiro de 2019

GEORGE HAFSTAD PRODUZIU UM RELATO QUE MERECE SER PESQUISADO. ( Miguel Nenevé)


               
Quando estava fazendo meu pós-doutorado na York University, em Toronto, no Canada, recebi da diretora da Biblioteca, Mrs. Hofman, um documento sobre a Amazônia que pertencia ao seu pai. Esse documento, é na realidade, um relato, que seu pai, médico, produziu durante o tempo em que esteve aqui, como médico entomologista servindo os Estados Unidos, como “soldado da borracha”. Vamos então ao contexto:O ataque Japonês a Pearl Harbour nos Estados Unidos em 1941 é um evento marcante na Segunda Guerra Mundial, como nos ensinam os livros de Historia. O pesquisador Pedro Henrique Rodrigues, no seu texto “O ataque japonês a Pearl Harbour” (acessível em https://www.infoescola.com/segunda-guerra/ataque-japones-a-pearl-harbor/),  afirma que o ataque “marcou definitivamente a participação do Japão e dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Em 7 de dezembro de 1941, no início da manhã os japoneses bombardearam a base norte americana de Pearl Harbor, no Havaí.”  Os textos de historia nos informam que foi um acontecimento sangrento e violento, ocasionando a morte de mais de dois mil americanos e mais de mil feridos, além de navios destruídos.

Quem diria, no entanto, que este fato iria influenciar a Amazônia, os seringueiros, o preço da borracha e os seringalistas? Sim, o fato causou uma grande influência na Amazonia. Vejamos: após o Japão bombardear Pearl Harbor e ocupar a maior parte do sudeste da Ásia, o presidente Franklin Roosevelt recorreu ao Brasil e a outros países da América Latina América  a fim de  tomar medidas urgentes para aumentar a produção de borracha natural para os Aliados . Era necessário produzir borracha que naquele momento não poderia ser comprada da Malásia devido à escassez do produto na América do Norte e Europa. As Plantações do Sudeste Asiático responsáveis  por mais de 90%  de fornecimento de borracha para atender as necessidades, vitais para a guerra moderna, não estavam mais acessíveis para os aliados.   Como diz a pesquisadora  Xenia Yumovic Wilkinson (2009), em sua tese de doutorado “TAPPING THE AMAZON FOR VICTORY:BRAZIL’S “BATTLE FOR RUBBER” OF WORLD WAR II”,
Na ausência de alternativas fontes de borracha, especialistas norte-americanos alertaram que o sucesso da guerra Aliada esforço poderia depender da produtividade dos seringueiros que extraíam o látex do seringueiras (principalmente Hevea brasiliensis) em florestas tropicais da Amazônia. Com mais de 60  por cento da Bacia Amazônica dentro do território nacional do Brasil, persuadindo os governo lançar uma campanha para aumentar a produção de borracha na Amazônia que se tornava prioridade para os Estados Unidos. (p. 13)[tradução minha]

Após o momento de oscilação entre apoiar a  Alemanha ou os Estados Unidos para extrair o máximo de benefícios econômicos de cada país, o governante brasileiro,  Presidente Getúlio Vargas, convenceu-se em 1941 que os Aliados ganhariam a guerra. Vargas  embarcou em um programa de cooperação próxima, mas informal, com os
Estados para apoiar os Aliados e reduzir a influência da Alemanha no Brasil. Na esteira do ataque a Pearl Harbor, o Brasil entrou em uma aliança formal com os Estados Unidos sob os Acordos de Washington de março de 1942.

A aliança da Segunda Guerra Mundial entre o Brasil e os Estados Unidos englobava ampla gama de cooperação militar, política e econômica,  desde a construção de uma cadeia de bases aéreas norte-americanas ao longo da costa Nordeste para a produção estratégica matérias-primas para os Aliados, o mais importante dos quais era a borracha. Frank McCain, wm seu estudo da evolução da aliança de guerra entre o Brasil e os Estados Unidos, A Aliança Brasil-Estados Unidos 1937-1945 (Princeton: Princeton University Press, (1995)    argumenta que os interesses do Brasil na negociação de uma aliança com os Estados Unidos  foram três:  obter financiamento dos Estados Unidos para a nascente indústria siderúrgica do Brasil e outros projetos de desenvolvimento industrial;  reforçar a defesa das costas brasileiras de ataques de submarinos alemães e proteger seu flanco sul de potenciais ataques pela Argentina; e ganhar um papel de liderança nas organizações internacionais do pós-guerra, incluindo um lugar permanente cobiçado no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
McCain  acredita que a aliança deixou o Brasil mais dependente dos Estados Unidos. Amazônia,  o local  onde o renascimento de uma indústria de borracha, um produto tirado da selva, acontecia em tempo de guerra,  dependia de financiamento e preços garantidos da borracha do governo norte-americano.

Nos termos dos Acordos, o Brasil lançou um programa de cinco anos (1942-1947) para produção da seringa que era  material estratégico  para os Estados Unidos em sua luta contra Alemanha.  Assim,  o presidente Vargas lançou a “Batalha pela Borracha” anunciando seu plano de “alistar” e “mobilizar” milhares de “soldados da borracha” para “Marchar” para as florestas tropicais da Amazônia e extrair a borracha selvagem para apoiar os Aliados.
Neste contexto, da “Batalha pela Borracha”, participantes globais, nacionais e regionais se cruzaram e interagiram com as sociedades locais no ambiente único da Amazônia, criando novas dinâmicas que influenciaram o curso do desenvolvimento da Amazônia por várias décadas. Por um breve, mas  intenso período, seringueiros, assessores técnicos norte-americanos, a elite da borracha da Amazônia (seringalistas), o governo de Getúlio Vargas e o governo americano de Roosevelt ligaram-se  em uma empresa para acelerar a produção de borracha para apoiar a causa dos Aliados na Segunda Guerra.
É neste contexto histórico que entram os documentos de Hafstad que mencionei no início.  Os relatos do americano George Hafstad , doados pela biblioteca da York University , em Toronto  Canadá, são o objeto de nosso interesse, pois podem nos informar muito sobre o período na Amazônia.
 O entomologista deixou um relatório de suas atividades que acredito merecer nossa atenção. É de nosso interesse  analisar  a visão do médico americano sobre a  Amazônia, seu discurso sobre o  outro, o seringueiro, o seringalista, o amazônida e o brasileiro de um modo geral.  

Os esforços em conjunto dos governos brasileiro e norte-americano para produzir seringa e dominar  o comércio de borracha da região colaboraram para uma visão menos colonialista do americano em relação ao Brasil? O autor do relato se posiciona em algum momento sobre como seringueiros migrantes lutaram para se adaptar ao árduo trabalho em um ambiente desconhecido? Ou ele trata o brasileiro de um modo geral, desconsiderando a migração de vários nordestinos para o norte?  Há alguma referência às sociedades indígenas fronteiriças?  Este ambiente estranho para o americano não produziu estranheza para quem já vivia na Amazônia há muitos e muitos anos?
O que percebe-se de imediato é que sua missão era fazer com que "a produção de borracha" fosse mais efetiva. O fato de muitos seringueiros abandonarem suas atividades para se dedicarem a trabalhos menos árduos e mais lucrativos realmente preocupava o entomologista. Até ponto, no entanto, algo pode ser feito para beneficiar os seringueiros e fazer com que ele tivesse ânimo em trabalhar na seringa?
Estas são algumas perguntas dignas de serem investigadas. Por isso, creio, não podemos perder a oportunidade de traduzir o documento , analisa-lo e publicá-lo, como uma forma de socializar conhecimento sobre a Amazonia.