sábado, 8 de dezembro de 2012

Literatura chicana: Fronteiras, mestiçagem e a resistência cultural em Rise, do not be Afraid de Aaron Abeyta



Miguel Nenevé e Rose Siepamann



El mestizaje de los pueblos indígenas con los colonos españoles y los
otros países, la fusion del catolicismo con elementos de las religiones
nativas, el intercambio de  costumbres y tadiciones, asi como otros
muchos tipos de interacion y sincretismo cultural, hacieron de |Mexico
un pais marcadamente diferente de las regiones colonizadas pelos
europeus en la parte setentrional del continente americano,e  incluso
las demás republicas latinoamericanas (L D Taylor, 2001 p 67)

Os povos de Santa Rita não gostavam de  ser chamados de Mexicanos.
Eles tinham ouvido histórias de como esta terra foi Espanha.
Eles tinham ouvido sobre Ornate que ocupou os terrenos do Nuevo
Mexico em 1598. Para muitos não importa que Ornate era
um conquistador bruto que punia os Acoma cortando seus pés e
cauterizando as feridas com água fervente. (Abeyta, 140-1)


            Aaron Abeyta é um poeta e escritor de ficção que nasceu no sul do estado de Colorado, mais precisamente na cidade de San Louis Valley. Já ganhou prêmios por sua poesia  e por sua ficção. Os seus escritos são interessantes não somente pela maneira poética de escrever e pelo hibridismo da linguagem ao misturar espanhol com inglês, mas também pelo seu tema de resistência cultural e por revelar um visível esforço para manter a memória de seu povo hibrido vivendo  nos Estados Unidos. Sua literatura pode se encaixar na literatura chamada “chicana” pois propõe discussões sobre americanos de origem mexicana ou hispânica que enfrentam sentimentos de deslocações no poderoso país da América do Norte.  Como um conjunto distinto de escrita a literatura chicana é relativamente nova e de definição ou delimitação não tão fácil. Neste artigo nos propomos analisar a obra de Aaron Abeyta, Rise, do not be afraid, ( Levante-se , não tenha Medo) dentro do conceito de Literatura Chicana
            Embora o conceito e a classificação de literatura chicana  não sejam bem definidos, podemos dizer que o verdadeiro início desta literatura se deu já no século dezesseis quando os conquistadores espanhóis começaram a colonização da América. As narrativas de Cabeça de Vaca, de Niza e Castañeda revelam os tempos da “conquista” com “bravura” e entusiasmo. Vindo para a América durante a época chamada “Era Dourada” tempo de Miguel de Cervantes e de Lope de La Vega, os conquistadores com certeza tinham os narradores para contar ao mundo as novidades do Novo Continente, como informa Márcio Souza em História da Amazônia (2001). Estes narradores eram ávidos contadores de história, sempre favorecendo o surgimento de lendas, contos extraordinários e canções. Por exemplo 1598, Juan de Orate e um grupo de mais quinhentos homens celebraram a conquista do local que hoje é  New Mexico (Estados Unidos) com apresentação dramática composta para a ocasião. Há uma publicação de  Gaspar Pérez de Villagrá, Historia de la Nueva México feita em cantos. Este, segundo alguns historiadores da literatura chicana, poderia fazer parte dos primeiros textos produzidos na América do Norte por Espanhóis.
            No entanto, para se ler sob  uma perspectiva mais política, a literatura chicana pode ser considerada muito mais recente. Como afirmamos anteriormente, é uma literatura de definição difícil, mas poder-se-ia dizer de um modo bem simples que é a literatura proveniente da cultura de povos mexicanos (ou outros países da América Latina) que se mudaram para os Estados Unidos , como também no caso de hoje de pessoas nascidas nos Estados Unidos mas cujos ascendentes, pais , avós ou bisavós  são provenientes do México. É o que acontece muito em Texas, Arizona, Califórnia, New Mexico, e Colorado entre outros. Neste contexto,  as pessoas enfrentaram problemas linguísticos e
culturais vivendo como minorias nos Estados Unidos . É bom lembrar que os porto-riquenhos , que não migraram, mas foram anexados aos Estados Unidos também são considerados chicanos Questões de hibridismo, mestiçagem e deslocamento sempre são considerados quando se discutem literatura chicana.
 Assim, podemos dizer que a literatura Chicana, ou às vezes chamada de “Mexican American”  pode incluir temas de estudos culturais  como por exemplo, identidade étnica ao apresentar a personagem chicana, muitas vezes com uma língua “quebrada” inglês com vocábulos em espanhol, costumes, comida e tradições com raízes na América espanhola. O crítico literário  Ramón Saldívar afirma que , "diferente de muitos outros grupos étnicos que migraram para o Estados Unidos, mas semelhantes ao indígenas americanos, os chicanos se tornaram uma minoria pela conquista de sua terra natal. (13) Ao longo dos anos, os Chicanos desenvolveram uma cultura própria que na realidade não pertence nem à América espanhola nem aos Estados Unidos. Restou então uma cultura híbrida entre México (ou América hispânica) e Estados Unidos, um produto de ambos, mas diferente. Segundo Paredes (1995) , até 1900, a literatura chicana apareceu como uma parte distinta da Literatura Americana. O autor menciona  a importante obra de Josephina Niggli , Mexican Village (1945) como um marco importante para esta literatura.
            Como vimos argumentando, os temas mais comuns explorados nesta literatura, sem duvida são aqueles relacionados com identidade,  a cultura relacionada à língua, a discriminação, a memória e a história. Todos estes temas, de certa forma, passam pela questão da comunicação pela linguagem. A identidade, a cultura, a história e a memória não podem negar a linguagem, a questão de experimentar uma hibridarem linguística e cultural..  A comunicação cria a cultura e a cultura por meio da tradução oral é o meio de comunicação, a linguagem carrega a cultura e a cultura traz consigo todo o conjunto de valores, de expressões, de visões do mundo, da percepção e interpretação do espaço, Desta forma que esta literatura chicana pode e deve ser um. veículo de descolonização, uma vez que por meio delas os chicanos podem se expressar e mostrar a voz que de certa forma tem sido negligenciada. É  muitas vezes uma crítica e um protesto `a maneira que vivem os chicanos nos Estados Unidos. Pode ser também, como diz  Abeyta, uma forma de redenção de vidas sofridas, uma redenção da história e da cultura.  Ao lembrar o sofrimento de seus antepassados que tiveram que trocar seus nomes, abandonar a sua cultura para poder sobreviver nos Estados Unidos, o autor de forma convida o leitor para lembrar a carga de colonialismo sofrida.
            Outros temas presentes na literatura chicana também se incluem nos estudos pós-coloniais. Como exemplo, temos a questão da a migração, da   situação de viver entre espaços, deslocados, nas fronteiras, nas margens. Os textos na maioria são escritos em inglês com mistura de espanhol, mas há também textos em espanhol ou bilíngues como é o caso de And the earth did not devour him de Tomas Rivera (1990)
            Levante-se, não tenha Medo, no original  Rise, Do Not Be Afraid (publicado e premiado  em 2011)  reflete muito este mundo chicano. A obra  é uma exploração poética de uma pequena cidade, Santa Rita, que fica em New Mexico, fazendo fronteira com o estado de  Colorado. Para expressar o sentimento de deslocamento o autor recheou o livro  de palavras ou expressões hispânicas que revelam este mundo hibrido chicano. Palavras muitas vezes ligadas à afetividade como abuelita, tia, tio, papá, la palomina e assim por diante.
                       
             Como se sabe, não é incomum caminhar pelas ruas dos Estados Unidos, não somente de Texas, Califórnia e New Mexico para ouvir espanhol ou expressões em espanhol quando se fala inglês.. Usam-se muitos termos e expressões em língua espanhola que certa forma marcam a identidade. Como por exemplo, atender o telefone e fala-se “bueno”, depois seguir falando em inglês. O que se tem é mundo
nem o “americano” no sentido dos descendentes do Mayflower, nem o mexicano: é um estar entre estas identidades.

            Como outros cenários da literatura chicana, Santa Rita, onde baseia-se o livro, sofre pela decadência, pelo desaparecimento da tradição, das pessoas que saem para centros maiores. A tristeza parece ter marcado o território:

            Dos três, dois tem nomes e um é conhecido apenas por Deus. Os dois
            com nome estão enterrados juntos embaixo do cedro na terra de seu
            que seu abueltio comprou de uma mulher chamada Lara. Como os dois
            dos três que ele nunca imaginou ou conheceu, ele também não conhecia
            Lara, mas brincava na sua casa assombrada...(p. 13, trad. nossa)

            O próprio autor diz que o livro é sobre o esforço da comunidade e de seu povo na tentativa de encontrar redenção e sentido no perda constante que vêm sofrendo. Apesar destas perdas, as personagens do livro buscam a salvação na única  coisa que conhecem: fé e natureza”.  Aaron Abeyta, que ensina  Literatura chicana e Literaturas de minorias, parece acreditar que escrever ajuda a ensinar porque é necessário fazer uma conexão entre escrever e ler. Sua obra revela que a linguagem é um meio de comunicação que de certa forma espelha , ou reflete a identidade de um povo e sem dúvida é parte integrante da cultura. Neste sentido ele reflete o que o autor queniano, Ngugi Wa Thiongo  defende ao referir-se a linguagem como “alma da cultura “:  “ A linguagem é inseparável de nós mesmos como comunidade de seres humanos com uma forma e um caráter específicos, um história específica e uma forma de ver o mundo específica. (2006, p 156) Uma reflexão bem interessante é apresentada no segundo capítulo da obra de Abeyta cujo título é “Como a palavra deveria se levantar”.O autor poeticamente reflete : “A palavra deveria vir como água subindo, às vezes mansamente como as notas de um violino tocadas por uma menina em pé em um elevado, sua canção             suave e granulada flutuando sobre um campo de grama aberto. A palavra deveria vir como a neve caindo pela primeira vez” (17)

            No mundo de Santa Rita, porém, as coisas não se desenvolvem assim com toda esta suavidade uma vez que anunciam a morte de Ramon Fernandez. E Ramon Fernandez nem sempre fora ninguém. “As mulheres de Santa Rita lembram que ele dançava bem. Ele carregava um rosário de madeira em seu bolso e uma faca no outro. Ramon Fernandez antes de ser ninguém era como as pessoas de Santa Rita, rico, sem ter dinheiro” (18)

            A cultura particular do povo chicano vai sendo revelada, desenvolvida poeticamente no livro. Alguns provérbios e ditadas da cultura revelam o saber do povo. Por exemplo, os grilos cantam selvagemente antes de partir para fugir do frio. Nesta mesma forma de revelar a cultura chicana, o livro sugere que  o conhecimento de como fazer tortilha deve ser passado de geração a geração para que não se perca: “existem cinco ingredientes para fazer tortilha. Muitas vezes as pessoas pensam que é apenas um” (20) e os ingredientes devem ser dos mesmos que a abuelita usava. A mesma farinha, o mesmo sal etc. Um ingrediente que é  “esquecido lembra  “o indígena em nós, é pequeno mas não menos importante.” (21)
            A linguagem está intimamente ligada com a prática da comunidade, com o trabalho, a culinária entre muitos outros aspectos. A perda da linguagem e até do nome próprio de certa forma vão desterritorializando as personagens do local. Se a linguagem é um marcador importante da linguagem, o fato de ter que receber outro nome significa ter que deixar outra identidade entrar em suas veia. A perda da linguagem ou a falta de controle pode significar que a pessoa não participa completamente da comunidade. Para Ngugi, por exemplo trocar de nome pode significar tirar a identidade de alguém.
Parece que é o que acontece com as crianças que tem que deixar Santa Rita para estudar:  “A escola é muito diferente aqui. As freiras são legais, mas elas me chamam de Nancy. Uma delas disse-me que eu nunca seria alguém com um nome como Nonnatusia. ...Ela renomeou todos. Eu sou Nancy, Pedro é Pete, Jaime é James, Perla é Pearl “  (84-85)

            Interessante observar que a obra de Abeyta ajuda a refletir sobre a condição dos “Hispânicos” e de sua situação nos Estados Unidos.  Neste caso, o povo de Santa Rita reflete as circunstâncias em que vivem as pessoas de origem hispânicas dos mais diversos locais, inclusive os porto-riquenhos que foram “absorvidos” durante a expansão americana.
            A depressão econômica, a decadência do local vivida e sofrida e a necessidade de deixar o local, tudo parece trazer um sentido de perda: “ Santa Rita também iria “desaparecer em pequenos pedaços, como uma terra gelada numa pá. Santa Rita iria desaparecer devagar e poucos entenderiam sua perda. Santa Rita morreria, mas há pedaços dela com seu povo. Poucos saberiam como a cidade foi carregada com eles.“ (61)

            A esperança porém está na memória. As pessoas que carregam a pequena cidade em suas recordações podem cantá-la mais tarde. Se uma criança que nascer no futuro não souber da cidade, “nós escrevemos isso..para que a criança nascida anos mais tarde tenha um marcador, “ uma forma de conhecer e de saber o caminho da casa “durante uma tempestade ou no crepúsculo” (160)

 Abeyta admite que o que ele escreve não é exatamente um romance , mas uma narrativa poética. Primeiro escreve um longo poema, para depois desenvolver a narrativa. Na realidade os próprios poemas são narrativas. O que é interessante nesta discussão para nosso argumento é o convite para olhar e repensar o mundo chicano, as características de um povo que vê sua cultura, sua cidade, seu modo de vida, sua linguagem e até seus nomes desaparecendo. Este é o mundo de Santa Rita, na fronteira entre os Estados de Novo México e Colorado, um mundo que de certa forma “se despedaça” como o mundo de Chinua Achebe no livo Things Fall Apart (1980).
 Referências

            Achebe, Things Fall Apart. Heinemann, 1980
           
            Abeyta, Aaron. Interview to Daniel Olivas. Available at www.jacketflap.com/megablog/?h
            (19/09/2007)
            ___. Rise do not be Afraid. Denver: Ghost Road Press, 2007.
·      García, Mario T. (2000), Luis Leal: An Auto/Biography, Austin, Texas: University of Texas Press, 2000
·      Cabeza de Vaca, Alvár Nunez. Naufrágios e Comentários. Porto Alegre: L&PM, 1999
·      Castanheda

·      Paredes, Raymund (Fall 1995), "Teaching Chicano Literature: An Historical Approach", The Heath Anthology of American Literature Newsletter (12),
·      Saldívar, Ramón. Chicano Narrative: The Dialectics of Difference, Madison, Wisconsin: The University of Wisconsin Press, 1990
·      Rivera, Tomás. ...Yo no se lo tragó la tierra.Houston: Arte Publico, 1990
·      Souza, Marcio. História da Amazônia. Manaus: Valer, 2009
            Taylor, Lawrence Douglas. El Nuevo Norteamericano: Integración Continental, Cultura e           Identidad Nacional. Cidade de Mexico: UNAM, 2001
            Wa Thiong´o . Ngugi. The language of African Literature. In Postcolonialisms: an anthology of cultural theory and criticism, edited by Gaurav Desai and S Nair. Berg: Oxford, 2006.