quarta-feira, 19 de abril de 2023

PESSOA(L)MENTE

PESSOA(L)MENTE Vem sentar-te comigo, Marta sob uma árvore antiga leiamos aquela carta como uma velha cantiga... Juntos viajaremos por linhas desbotadas misteriosas, carregadas de história, pó e poesia. Ah, ali está recluso uma poema só para ti o primeiro que escrevi, sentimental, medroso confuso. Treze , quase quatorze anos acreditava no amor devaneios, sonhos enganos tudo bem escondido na alma adolescente. Nem conhecia Pessoa, apenas de Abreu, Varela e o de Azevedo para inflamar a paixão misturada com medo de entregar para ela: receio da punição. Não tive a ousadia deixei tudo guardado ninguém mais sabia. Foi um dia descoberto Ah, a minha irmã, curiosa, por certo em certa manhã o esconderijo acharia criei uma historinha, enganei, menti, inventei que a letra não era minha, que era de um amigo, mas tinha por acaso ficado comigo... por descuido ou descaso Então já não seria de preocupação, de conversas ou uma de delação nem de coisas adversas Assim sobreviveu a carta muito bem, guardada... com o poema apaixonado para ti, Marta. Anos e anos ali mudou de endereço, de significado Até que um dia animar-me ia ... A irmã foi Voou em viagem celestial Mudei, mudaste, mudamos Já foram tantas paragens A carta e o poemas, descoloridos.. ainda incendeiam lembranças ah, este amor de criança esta crença na pureza, envolvidos em segredo receido de punição... só hoje descubro, não foram em vão.. Vem, sentar-te comigo, Marta debaixo do marmeleiro. Juntos, falaremos de tudo até do amor primeiro ali, esqueçamos os problemas leiamos muitos versos, e lembremos da Lidia, do poeta maior e mais que tudo, falaremos de cor versos e rabiscos , o primeiro poema e tudo que escrevi só para ti. Vem sentar-te comigo, Marta brindemos esta paisagem farta Fitemos no leve vôo das aves e pensemos, que mais vale sermos doces e suaves Já que tudo se esvai para um céu bem distante nada permanece entao vivamos o instante. e como numa prece.. contemplemos as nuvens de mãos enlaçadas vistamos a beleza natural de campos fascinantes dos tempos do Pirizal! Vem sentar-te – comigo sem o tédio da solidão e assim, se um dia eu for para aquela escuridão lembrarás do marmeleiro cheio de sombra, de vida e de sábia inspiração Texto: Miguel Nenevé. Foto: Angelo Nenevé

sexta-feira, 7 de abril de 2023

SEXTAS- FEIRAS SANTAS FORAM TANTAS...

 


Tempo de parar para meditar, tempo de cuidar-se, deixando de lado a correria e voltar para dentro, para o interior, para nosso interior e engajar-me no poder da oração que nos conecta conosco mesmos, nossas crenças, nossa vida diária e nossa vontade de melhorar um pouco cada dia... Ao me recolher, ao conectar-me, inevitavelmente, algumas lembranças lá da infância martelam minha mente, sem perturbar a paz...Longos anos atrás.... Tempo em que o ano se dividia para mim em antes e depois da Sexta-Feira Santa, Dobry piątek, um dia muito marcante naquele interior do planalto catarinense.

“Na Sexta-Feira Santa, eu lhe procurei, fui à sua casa, mas não lhe encontrei”, era a música de minha infância e adolescência.” Aquelas sextas férias Santas que em nosso meio familiar, como em toda a comunidade de educação polonesa, nem se ouvia música profana. Ouviam-se, sim,  aquelas músicas que lamentavam a condição humana, de homem pecador. Lembro-me bem de uma música cuja letra dizia “Pecador agora é tempo de pesar e de temor. “ Deixando bem que todos eram pecadores, e que tínhamos que lutar, pois havia, claramente uma briga entre a carne e o espírito (The flesh and the soul como no poema da puritana americana Anne Breadstreet).  Tudo girava em torno do pecado e da penitência. O jejum era certo para toda a família e o dia ficava bem plongado, como aquelas batidas do sino. Deixar de ir à igreja, jamais!!!! Na Vila de Bateias de Baixo, havia adoração desde madrugada. À tarde eram as cerimônias mais longínquas e pesadas. Mas ninguém da vila ousava faltar. Lembro-me de pessoas vindo de longe, agricultores de todos os arredores. Muitos ficavam do lado de fora, porque a igreja local não suportava todos que queriam participar das cerimonias de Jesus Morto. Havia aquelas leituras da paixão, bem completas, prolongadas, com vários leitores representando personagens do evangelho. Depois vinha a via-sacra em  procissão pela estrada de barro ou macadamizada. A cada estação parava-se, para ajoelhar-se nas pedras e pedregulhos soltos da estrada. Eu me perguntava se era só eu que sofria com dores no joelho contra as pedras da estrada. Ninguém sofria de problema no joelho ou na coluna? Ou faziam de conta que se ajoelhavam, mas não tocavam o chão? De alguma forma havia uma fé que lhes foi transmitida. Fé e certa disciplina ou certo temor, afinal era tempo “de pesar e de temor”. O que consideramos hoje práticas não virtuosas, eram pecados  Quando a procissão acabava, já quase no escurecer do dia, entrava-se na igreja para dar um ósculo em Jesus morto e depois, finalmente voltar para casa.

No sábado já se podia cantar qualquer música, podia-se comer carne e não se precisava mais ir à  procissão. Era só preparar o ninho que o coelhinho vinha na certa. Coelhinhos e ovinhos de Chocolate do Buschle e cascas de ovos coloridos recheados de amendoim ou castanha caramelizada. Sempre valia ter passado pela prolongada Sexta-feira Santa.