domingo, 27 de maio de 2012


por:O autor - em: 24-05-2012

Ensino de língua, colonialismo e preconceito

A epígrafe acima é parte de um poema da poeta indiana Kamala Das. Entre outras idéias, o poema sugere que ao aprendermos um idioma ele se torna nosso e podemos falar do jeito que convém para ...
Ensino de língua, colonialismo e preconceito: o caso do comercial da Open English
 
Miguel Nenevé

 
Falo três línguas, escrevo em duas
e sonho em uma..
a língua que falo torna-se minha,
com suas distorções, estranhamentos
totalmente minha (Kamala Das, poeta indiana)
                                                             

 
A epígrafe acima é parte de um poema da poeta indiana Kamala Das. Entre outras idéias, o poema sugere que ao aprendermos um idioma ele se torna nosso e podemos falar do jeito que convém para nossa comunicação, para expressar nossos anseios, nossas dores e nossas necessidades. De certa forma propõe que aprender uma língua estrangeira não significa se tornar mais estrangeiro, mas provavelmente o contrário. O que inevitavelmente ocorre, porém, no ensino de línguas, ainda nos dias de hoje é que para se falar inglês, crê-se,  deve se tornar um pouco britânico ou um pouco americano, porque você fala “a língua do poder.” Esquece-se que dominar inglês hoje é muito mais que isso. Esquece-se que o inglês não é britanico nem americano e que podemos precisar inglês para comunicar-se com China, Hong Kong, Índia, Caribe e praticamente todo o mundo, sem ter que “servir ao imperialismo”. Neste breve artigo, porém, eu gostaria de discutir sobre uma propaganda veiculada por uma escola de língua inglesa, online, chamada Open English. Este comercial revela  uma mentalidade muito antiga, muito preconceituosa, colonialialista e que, de certa forma , ao invés de estimular a aprendizagem do idioma estrangeiro, faz o contrário, motiva repulsa.
 
Impossível ser um profissional de Letras, especialmente de ensino de letras estrangeiras, sem ter visto o vídeo e sem ter  participado de alguma discussão sobre o caso da dita  escola de inglês Open English e de sua  propaganda infeliz,  ideologicamente preconceituosa contra professores brasileiros. Além disso, o anúncio pode ser também considerado vergonhasamente discriminatório e sexista. O preconceito veiculado é na realidade contra o professor de inglês que não é “native speaker” ou seja que não é falante nativo. A proaganda em vídeo pode facilmente ser acessada pela internet e apresenta  dois jovens que querem aprender inglês, um vasi para uma escola tradicional onde a professora é brasileira e outro com seu tablet acessa uma escola online Open Line, podendo falar com uma professora na California. Vamos entao a alguns passos do vídeo :

O comercial apresenta no vídeo dois jovens, um  bem sério, bem vestido , podendo ser associado a um estudante “cdf” ou como se dizia antigamente, a um estudante “caxias”: camisa  fechada, postura curvada, cores sóbrias, cheio de livros nas mãos, enquanto
o outro jovem, de aparência rica, mas não muito séria, camisa aberta, cores mais chamativas, computador (ou tablet) nas mãos, cabeça levantada. Aí fala-se das atividades dos dois: ”um vai a uma escola tradicional, o outro  faz Open English” . “Um passa uma hora no trânsito” se aborrece até chegar à escola toda segunda à  noite.  ”O outro  aprende on-line a qualquer hora do dia”, enquanto surge o rosto sorridente diante da tela do computador. O estudante tradicional tem aula com a “Joana “, uma brasileira, que tem como instrumento de trabalho lousa e giz e escreve a palavra “Chicken”, (galinha). É muito óbia aqui a rdicularização da professora de inglês , que é brasileira. O outro fala com a Jenny, uma americana e portanto “native speaker”. Ela está sorridente, elegante e “cativante”, com padrões de beleza veiculados pela mídia. Não é necessário prosseguir na descirçao do vídeo, pois ele é de fácil acesso e é provável que os leitores já tenham visto.
 
É necessário, no entanto, discutir esta percepçao de ensino de língua estrangeira. O que se vê claramente aí é, entre muitos equívocos alarmantes, a falácia de que um professor “nativo” é melhor que um professor nao nativo, que aprendeu inglês nao como sua lingua materna. Todos que trabalham com idioma estrangeiro conhecem exemplos desta falácia. Há escolas, por exemplo, que contratam professores porque são estrangeiros, nascidos em um país de língua inglesa, mas que não conhecem a lingua a fundo e nao tem nenhum conhecimento didático. A preferência cai sempre por estrangeiros, por aqueles que falam nossa língua portuguesa de forma “enrolada”, que dá uma conotação de estrangeirizaçao. Aí que se percebe a mente colonial, a mente que acredita que o bom “tem que vir de fora” como diz a pesquisadora canadense Mary Louise Pratt. Muitas vezes os brasileiros que pesquisam, estudam, participam de congressos em vários países e conhecem variedades de inglês, são deixados em segundo plano, são preteridos para dar lugar a um nativo que muitas vezes conhece somente o inglês de sua cidade, de sua regiao onde nasceu. Infelizmente, como comenta o professor e pesquisador Denilso Lima os profissionais de inglês brasileiros, as escolas de língua têm ajudado a cosntruir esta imagem que o estrangeiro é melhor. É necessário reclamar, denunciar este preconceito ao mesmo tempo em que precisamos rever nossos próprios conceitos. Lima afirma que muitas dessas instituições que hoje estão reclamando do comercial da Open English, discriminam veladamente os “teacher trainers” brasileiros. Ou seja, a preferência é sempre pelos estrangeiros. “
 
Antes de concluir, gostaria de citar a professora de inglês Selma Moura. Seu comentário sobre a propaganda da Open English é relevante para nossas discussões. Diz a professora que o comercial da Open English  1) é sexista: um padrão de beleza estereotipado é imposto, contrastando as duas atrizes: a “loira gostosa” com a “morena gordinha”. A posição da docência é feminina, e a apreciação da competência da professora pelo aluno – do sexo masculino – passa pelo critério estético;  2) é excludente: ou você é um “nerd” bitolado e sem traquejo social, ou você é um “descolado” espertinho que leva vantagem;  3) mantém uma visão colonialista de que o que é estrangeiro é melhor, muito forte em um país com uma infra-estrutura recente, pouco mais de um século de vida como ex-colônia e uma história de importação de todos os bens de consumo da metrópole européia.

É preciso parar de brincar com ensino de língua estrangeira e para isso é preciso “desestrangeirizar” o ensino. Temos que  apresentar o idioma como mais uma ferramenta de comunicação, não como meio de esnobaçao, como algo que ajude a discriminar os “eleitos” e os “condenados” ou  como algo somente possível para privilegiados. Se pensarmos mais na comunicação e na emancipação do aprendiz de uma segunda língua, muitos destes preconceitos vão ruir por terra.

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