quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Lembrando Polônia

Froom Warsovia to Kielce by train
                               Miguel Nenevé

O professor Expedito Ferraz (UFPb), chama isso de “bônus da vida”. E a vida de vez em quando dá um bom bônus para a gente. É talvez um pagamento por alguma coisa, uma recompensa, ou não sei, mas algo que serve para dizer que vale a pena viver. Hoje eu ganhei um bônus e fiquei feliz como guri que ganha um presente e quer mostrar a todo mundo.
Na estação Central de de Warsovia  onde fui para comprar um bilhete para Kielce ninguém falava inglês, nem nas bilheterias nem nos “serviços de informação” . Consegui comprar o bilhete com poucas expressões em polonês que a vida ou minha mãe me ensinaram.  (Mas todas elas foram importantes).  Naquela estação central de  Warsovia ("Centralna"), cheia de pessoas, de trens, de Plataformas, de pistas, foi difícil descobrir onde embarcar para meu destino. Consegui o feito, porém, perguntando para um policial aqui, um outro lá....
Quando o trem chegou, entrei muito duvidoso se estava  tomando o trem certo , entrando no vagão certo, na cabine certa, o assento (OKNO) era o 96, eu tinha certeza. Entrei naquela cabine, sentei naquele assento e fiquei olhando, esperando a partida. De repente entrou uma linda mulher na mesma cabine. Eu logo fui perguntando se eu estava no local certo, no trem certo. Ela falava inglês e me respondeu  que o assento era o 96 mesmo, mas o vagão era outro, o 18 e não o 19. Eu fiz menção de sair e ela disse ,” mas se quiser pode ficar aqui.”  Fui ficando. Vi uns sinais em russo e quis saber se todo o mundo entendi a russo na Polonia. Aí começou a conversa. Aí que eu fui perceber a beleza inacreditável da mulher. Impossível, eu pensei, uma mulher tão linda, de extrema beleza,  tão próxima, tão simpática. As três horas e meia de viagem de trem, foram-se, voaram...Conversamos sobre livros, viagens (ela tinha ido a Australia e a Italia), tudo....E que mentalidade aberta, que visão de mundo que combina com a minha. Quando falei que meu nome era Miguel ela disse, Meu é “Michalina, que  coincidência””” No final , ainda disse que tinha tido sorte de me encontrar. Quando perguntei sobre o livro que trazia na mão, ela disse que era sobre como provocar impacto nas pessoas. Eu lhe disse: “você não precisa ler o livro, você tem que escrever um, você causou um impacto em mim, já estou adorando a Polônia.” E esta lembrança ressurge como uma boa música que parece permanecer em nossos ouvidos.


sexta-feira, 19 de julho de 2013

HAWAI O ESPÍRITO ALOHA, AS CONTRADIÇOES E O DESAPEGO E O MUNDO CAPITALISTA
                                   Rose  Siepamann[1]
Quando se menciona Havaí, normalmente se pensa no mais recente estado americano localizado no Pacífico que desperta nosso interesse pelo lindo cenário natural, pelo clima tropical suave, pela abundancia de praias maravilhosas e principalmente Pela fama por ser um local propicio para a prática de Windsurf. Minha recente visita ao local, no entanto me sugeriu outras reflexões e é sobre isso que quero escrever neste espaço. Quero falar sobre a cultura do povo polinésio, discutir valores e propor repensar algumas praticas. Comecemos então pelo indispensável  espírito “Aloha”....
“ Aloha”, na realidade  tem três ou mais significados: oi, tchau e “te amo” no sentido de irmandade, amor fraternal. Além destes significados comuns pode também pode significar estado de espírito, estar em contato correto com a natureza, estar de bem, estar em paz.  Isso nos estava explicando um nativo de uma das ilhas do Havai. Depois de passar alguns dias em Honolulu e ouvir repetidamente a palavra me convenci que aloha evoca o amor fraternal que tão em falta esta.
Embora, sabendo que as pessoas quando estão de ferias tendem a relaxar e automaticamente se comportarem de forma mais gentil e paciente, eu estava impressionada com o tanto de gentileza e paciência vista naqueles dias. Completos estranhos de muitos diferentes países e culturas  cumprimentando-se. Pessoas pacientes e sorridentes esperando nas gigantescas filas por uma mesa no restaurante ou pra pagar a conta no supermercado. Todos obedientes ao sinal vermelho pra cruzar as movimentadas ruas. Ninguém a xingar se um carro avança um pouquinho quando deveria dar a vez. Gentes de muitas nações parecem falar e entender a mesma língua, a língua do Aloha!
Na praia um casal me abordou pra me dar duas bóias que haviam ganhado de outras pessoas, a condição era que eu passasse adiante quando já não as quisesse. É o espírito do aloha, me disseram eles. No entanto, é preciso dizer que  o desapego e o consumismo caminham na mesma via. Um paradoxo! O comercio como em qualquer lugar badalado e muito grande e diverso e faz parecer que a gente precisa de tudo aquilo ou pelo menos algumas daquelas coisas para ser feliz. Quando em contato com a natureza, nas praias mais distantes ou nas montanhas, esse sentimento desaparece e o que eu sentia era o tamanho da minha pequenez diante de tanta perfeição natural, mar, árvores, montanhas e rochas desenhando paisagens que faz qualquer um respirar fundo para inalar um pouco de tanta grandeza.
Todos sabemos que o mundo anda cheio! Cada vez mais temos que dividir espaço com os da nossa espécie e da mesma forma competir para “conquistar nosso espaço”. Nunca somos suficientemente bons! Temos que estar em constante busca por melhor emprego, por mais dinheiro, por carros, celulares, televisores e roupas mais modernos. Amamos com condições, a maioria das vezes. Amamos nossos companheiros se eles se “comportam de maneira satisfatória”. Amamos mais os nossos filhos se eles estudam e tiram boas notas na escola. O espírito do Aloha que experimentei por alguns dias me fez repensar o “ser ou não ser”. Estaria eu, ou estaríamos nós, como ramsteres na gaiola correndo naquela rodinha de plástico sem chegar a nenhum lugar? Ou somos parte de algo muito maior? Ou tudo o que vemos e fazemos e parte de um grande plano? Seria super bacana se pudéssemos, mesmo sem estar de ferias, controlar nossas impaciências, nossas pressas, nossa intolerância! Viver como se acreditássemos que vamos morrer! Eu quase nunca me lembro que a morte e inevitável pra todos os vivos inclusive pra mim.
Por fim, o que de fato me motivou a escrever estas simples linhas foi a minha intrigante busca pelo amor fraternal. Aloha amigos





[1] Professora brasileira residente em Colorado nos Estados Unidos.

terça-feira, 26 de março de 2013

Chinua Achebe: A Writer Activist



Apresentamos aqui um aritgo em ingles, do professor indiano, Indrasen Reddy,  Doutor em literature pela Kakatiya University em  Warangal. Foi reitor e pro-reitor , director da Faculadde de Artes . Tambem trabalhou na  Asmara University, Eritrea, Nordeste da África e na Mahatma Gandhi Univerisity, na India.  A sua tese de doutorado foi justamente sobre Chinua Achebe. Ele analisa o “problema de engajamento nas obras de Chinua Achebe e Ngugi Wa Thiong’o. Por isso achamos pertinente publicar esta nota embora rápida, escrita logo após a morte de Achebe.

Chinua Achebe: A Writer Activist
1930 – 2013
Indrasena Reddy.
With the death of Chinua Achebe, lovers of literature lost a friend; Nigerians, a philosopher; Africans, a guide; and social activists, a writer activist. Neo-Colonial African scenario threw up a number of writer activists, both men and women. Prominent among them are: Wole Soyinka (Nigerian Nobel Laureate), Ngugi wa Thiong’o (Kenyan, now an exile in US), Nawal el Sadaawi (Egyptian), Frantz Fanon (Martinique) and AbebaTesfagiorgis(Eritrea). All these writers are not only concerned with the socio-economic exploitative structures in their countries, but they are also actively involved in the people’s liberation movements against the neo-colonial order. Achebe himself stood by his fellow Biafrans for a separate country outside Nigeria (Biafra is in Southern Nigeria). His latest book, There was a Country (2012) records once again the gory reminiscences of the Civil War in Biafra(1967), a dark chapter in Nigerian history.
Things Fall Apart (1958), Achebe’s first novel celebrated its 50th year of publication in 2008 in the academia in Africa, Europe and India. I am proud of being part of the celebrations at the Mahatma Gandhi University, Nalgonda in 2008. I was heading the Department of English then. The novel has been translated into more than 50 languages, and more than 10 million copies of it are in circulation. The novel tells the poignant story of an African tragic protagonist who fought alone valiantly against the combined forces of religion (Christianity) and its ally, the colonizer. Both Things Fall Apart and Anthills of the Savannah(1987) are recreation of African myths, rituals, folklore and orature which are integral to their culture, traditions and ethos. Achebe injects into his writings the very core and spirit of Africa in every conceivable manner. He also tried his best to Africanize English. He regrets he has no choice except to use English language, the legacy left behind by the colonizer. But, he maintains: “The English language will be able to carry the weight of my African experience…”
The first novels of Achebe – Things Fall Apart (1958),No Longer At Ease (1960), Arrow of God (1964), A Man of the People(1966) and Anthills of the Savannah (1987) not only reflect the Nigerian scenario of colonial and post-colonial phases, but by extension they also mirror the similar situation in Africa. These five novels can also be read as the history of Nigeria for a century, from 1890s to 1980s. Achebe, thus, is a historian as well in addition to being a novelist, poet, critic and essayist. Above all, he is a writer activist. He began his career as a script writer for the Nigerian Broadcasting Corporation.
Achebe never minces words in his criticism of racism and racists. He maintains that racism is a product of the West imposed on Africa and elsewhere. For instance, Africa does not exist even as an area of darkness in Hegel’s Philosophies of History. For Joseph Conrad (Nobel Laureate), the image of Africa is, Heart of Darkness, the title of his magnumopus. Who else other than Achebe can have the courage and conviction to call Conrad a ‘bloody racist’, invested with ‘a petty European mind’? Achebe writes out of a commitment to rectify the distorted versions of Africa as a ‘dark continent’. He observes: “I believe it is impossible to write anything in Africa without some kind of commitment… some kind of protest… because there were people who thought we didn’t have a past. What we were doing was to say we did…”
Achebe’s first three novels are set in colonial Africa. One can witness the drama of colonial encounters in Africa on the arrival of the white man with his new religion and the Bible, followed by his ally, the colonizer with the his gun. The Bible and the gun sum up the tale of colonialism in Africa. But Achebe’s later novels, A Man of the People and Anthills of the Savannah depict the changed scenario with the black zombies in places of power in a neo-colonial set up. The enemy in this context is the insider, dancing to the tunes of neo-colonial masters in Europe and America. This, precisely, is the tragedy of Africa. India and other developing countries are also cast in the same mould. This is how Achebe becomes relevant to us, the Indians. This is the universality in Achebe’s writings.
Achebe is no more. But he lived meaningfully, and left behind a rich legacy to the posterity. He has also shown to the world how even the weakest of the weak can offer resistance to the mightiest of powers. I would like to conclude this with a parable narrated by an unlettered villager in the novel. Achebe uses the same for the purpose of hinting that the tortoise in the anecdote represents innocent masses and the leopard as monstrous state power. According to an African myth, the tortoise and the leopard are sworn enemies. Whenever the leopard sights tortoise, the latter is instantly killed. Once a leopard finds a tortoise on the way. The leopard says: “I am going to kill you”. The tortoise begs for a minute or two to prepare himself for his death. The tortoise begins to kick and rove dust all over the place. The puzzled leopard asks him: “What are you doing?” Quick comes the response from the tortoise: “I am going to be killed now. But I want the passersby who come here to realize that there was an epic battle between you and me.” What a fantastic parable!
Dr. K. Indrasena Reddy
Professor of English                                                                                        
indrapapa@yahoo.com

sábado, 8 de dezembro de 2012

Literatura chicana: Fronteiras, mestiçagem e a resistência cultural em Rise, do not be Afraid de Aaron Abeyta



Miguel Nenevé e Rose Siepamann



El mestizaje de los pueblos indígenas con los colonos españoles y los
otros países, la fusion del catolicismo con elementos de las religiones
nativas, el intercambio de  costumbres y tadiciones, asi como otros
muchos tipos de interacion y sincretismo cultural, hacieron de |Mexico
un pais marcadamente diferente de las regiones colonizadas pelos
europeus en la parte setentrional del continente americano,e  incluso
las demás republicas latinoamericanas (L D Taylor, 2001 p 67)

Os povos de Santa Rita não gostavam de  ser chamados de Mexicanos.
Eles tinham ouvido histórias de como esta terra foi Espanha.
Eles tinham ouvido sobre Ornate que ocupou os terrenos do Nuevo
Mexico em 1598. Para muitos não importa que Ornate era
um conquistador bruto que punia os Acoma cortando seus pés e
cauterizando as feridas com água fervente. (Abeyta, 140-1)


            Aaron Abeyta é um poeta e escritor de ficção que nasceu no sul do estado de Colorado, mais precisamente na cidade de San Louis Valley. Já ganhou prêmios por sua poesia  e por sua ficção. Os seus escritos são interessantes não somente pela maneira poética de escrever e pelo hibridismo da linguagem ao misturar espanhol com inglês, mas também pelo seu tema de resistência cultural e por revelar um visível esforço para manter a memória de seu povo hibrido vivendo  nos Estados Unidos. Sua literatura pode se encaixar na literatura chamada “chicana” pois propõe discussões sobre americanos de origem mexicana ou hispânica que enfrentam sentimentos de deslocações no poderoso país da América do Norte.  Como um conjunto distinto de escrita a literatura chicana é relativamente nova e de definição ou delimitação não tão fácil. Neste artigo nos propomos analisar a obra de Aaron Abeyta, Rise, do not be afraid, ( Levante-se , não tenha Medo) dentro do conceito de Literatura Chicana
            Embora o conceito e a classificação de literatura chicana  não sejam bem definidos, podemos dizer que o verdadeiro início desta literatura se deu já no século dezesseis quando os conquistadores espanhóis começaram a colonização da América. As narrativas de Cabeça de Vaca, de Niza e Castañeda revelam os tempos da “conquista” com “bravura” e entusiasmo. Vindo para a América durante a época chamada “Era Dourada” tempo de Miguel de Cervantes e de Lope de La Vega, os conquistadores com certeza tinham os narradores para contar ao mundo as novidades do Novo Continente, como informa Márcio Souza em História da Amazônia (2001). Estes narradores eram ávidos contadores de história, sempre favorecendo o surgimento de lendas, contos extraordinários e canções. Por exemplo 1598, Juan de Orate e um grupo de mais quinhentos homens celebraram a conquista do local que hoje é  New Mexico (Estados Unidos) com apresentação dramática composta para a ocasião. Há uma publicação de  Gaspar Pérez de Villagrá, Historia de la Nueva México feita em cantos. Este, segundo alguns historiadores da literatura chicana, poderia fazer parte dos primeiros textos produzidos na América do Norte por Espanhóis.
            No entanto, para se ler sob  uma perspectiva mais política, a literatura chicana pode ser considerada muito mais recente. Como afirmamos anteriormente, é uma literatura de definição difícil, mas poder-se-ia dizer de um modo bem simples que é a literatura proveniente da cultura de povos mexicanos (ou outros países da América Latina) que se mudaram para os Estados Unidos , como também no caso de hoje de pessoas nascidas nos Estados Unidos mas cujos ascendentes, pais , avós ou bisavós  são provenientes do México. É o que acontece muito em Texas, Arizona, Califórnia, New Mexico, e Colorado entre outros. Neste contexto,  as pessoas enfrentaram problemas linguísticos e
culturais vivendo como minorias nos Estados Unidos . É bom lembrar que os porto-riquenhos , que não migraram, mas foram anexados aos Estados Unidos também são considerados chicanos Questões de hibridismo, mestiçagem e deslocamento sempre são considerados quando se discutem literatura chicana.
 Assim, podemos dizer que a literatura Chicana, ou às vezes chamada de “Mexican American”  pode incluir temas de estudos culturais  como por exemplo, identidade étnica ao apresentar a personagem chicana, muitas vezes com uma língua “quebrada” inglês com vocábulos em espanhol, costumes, comida e tradições com raízes na América espanhola. O crítico literário  Ramón Saldívar afirma que , "diferente de muitos outros grupos étnicos que migraram para o Estados Unidos, mas semelhantes ao indígenas americanos, os chicanos se tornaram uma minoria pela conquista de sua terra natal. (13) Ao longo dos anos, os Chicanos desenvolveram uma cultura própria que na realidade não pertence nem à América espanhola nem aos Estados Unidos. Restou então uma cultura híbrida entre México (ou América hispânica) e Estados Unidos, um produto de ambos, mas diferente. Segundo Paredes (1995) , até 1900, a literatura chicana apareceu como uma parte distinta da Literatura Americana. O autor menciona  a importante obra de Josephina Niggli , Mexican Village (1945) como um marco importante para esta literatura.
            Como vimos argumentando, os temas mais comuns explorados nesta literatura, sem duvida são aqueles relacionados com identidade,  a cultura relacionada à língua, a discriminação, a memória e a história. Todos estes temas, de certa forma, passam pela questão da comunicação pela linguagem. A identidade, a cultura, a história e a memória não podem negar a linguagem, a questão de experimentar uma hibridarem linguística e cultural..  A comunicação cria a cultura e a cultura por meio da tradução oral é o meio de comunicação, a linguagem carrega a cultura e a cultura traz consigo todo o conjunto de valores, de expressões, de visões do mundo, da percepção e interpretação do espaço, Desta forma que esta literatura chicana pode e deve ser um. veículo de descolonização, uma vez que por meio delas os chicanos podem se expressar e mostrar a voz que de certa forma tem sido negligenciada. É  muitas vezes uma crítica e um protesto `a maneira que vivem os chicanos nos Estados Unidos. Pode ser também, como diz  Abeyta, uma forma de redenção de vidas sofridas, uma redenção da história e da cultura.  Ao lembrar o sofrimento de seus antepassados que tiveram que trocar seus nomes, abandonar a sua cultura para poder sobreviver nos Estados Unidos, o autor de forma convida o leitor para lembrar a carga de colonialismo sofrida.
            Outros temas presentes na literatura chicana também se incluem nos estudos pós-coloniais. Como exemplo, temos a questão da a migração, da   situação de viver entre espaços, deslocados, nas fronteiras, nas margens. Os textos na maioria são escritos em inglês com mistura de espanhol, mas há também textos em espanhol ou bilíngues como é o caso de And the earth did not devour him de Tomas Rivera (1990)
            Levante-se, não tenha Medo, no original  Rise, Do Not Be Afraid (publicado e premiado  em 2011)  reflete muito este mundo chicano. A obra  é uma exploração poética de uma pequena cidade, Santa Rita, que fica em New Mexico, fazendo fronteira com o estado de  Colorado. Para expressar o sentimento de deslocamento o autor recheou o livro  de palavras ou expressões hispânicas que revelam este mundo hibrido chicano. Palavras muitas vezes ligadas à afetividade como abuelita, tia, tio, papá, la palomina e assim por diante.
                       
             Como se sabe, não é incomum caminhar pelas ruas dos Estados Unidos, não somente de Texas, Califórnia e New Mexico para ouvir espanhol ou expressões em espanhol quando se fala inglês.. Usam-se muitos termos e expressões em língua espanhola que certa forma marcam a identidade. Como por exemplo, atender o telefone e fala-se “bueno”, depois seguir falando em inglês. O que se tem é mundo
nem o “americano” no sentido dos descendentes do Mayflower, nem o mexicano: é um estar entre estas identidades.

            Como outros cenários da literatura chicana, Santa Rita, onde baseia-se o livro, sofre pela decadência, pelo desaparecimento da tradição, das pessoas que saem para centros maiores. A tristeza parece ter marcado o território:

            Dos três, dois tem nomes e um é conhecido apenas por Deus. Os dois
            com nome estão enterrados juntos embaixo do cedro na terra de seu
            que seu abueltio comprou de uma mulher chamada Lara. Como os dois
            dos três que ele nunca imaginou ou conheceu, ele também não conhecia
            Lara, mas brincava na sua casa assombrada...(p. 13, trad. nossa)

            O próprio autor diz que o livro é sobre o esforço da comunidade e de seu povo na tentativa de encontrar redenção e sentido no perda constante que vêm sofrendo. Apesar destas perdas, as personagens do livro buscam a salvação na única  coisa que conhecem: fé e natureza”.  Aaron Abeyta, que ensina  Literatura chicana e Literaturas de minorias, parece acreditar que escrever ajuda a ensinar porque é necessário fazer uma conexão entre escrever e ler. Sua obra revela que a linguagem é um meio de comunicação que de certa forma espelha , ou reflete a identidade de um povo e sem dúvida é parte integrante da cultura. Neste sentido ele reflete o que o autor queniano, Ngugi Wa Thiongo  defende ao referir-se a linguagem como “alma da cultura “:  “ A linguagem é inseparável de nós mesmos como comunidade de seres humanos com uma forma e um caráter específicos, um história específica e uma forma de ver o mundo específica. (2006, p 156) Uma reflexão bem interessante é apresentada no segundo capítulo da obra de Abeyta cujo título é “Como a palavra deveria se levantar”.O autor poeticamente reflete : “A palavra deveria vir como água subindo, às vezes mansamente como as notas de um violino tocadas por uma menina em pé em um elevado, sua canção             suave e granulada flutuando sobre um campo de grama aberto. A palavra deveria vir como a neve caindo pela primeira vez” (17)

            No mundo de Santa Rita, porém, as coisas não se desenvolvem assim com toda esta suavidade uma vez que anunciam a morte de Ramon Fernandez. E Ramon Fernandez nem sempre fora ninguém. “As mulheres de Santa Rita lembram que ele dançava bem. Ele carregava um rosário de madeira em seu bolso e uma faca no outro. Ramon Fernandez antes de ser ninguém era como as pessoas de Santa Rita, rico, sem ter dinheiro” (18)

            A cultura particular do povo chicano vai sendo revelada, desenvolvida poeticamente no livro. Alguns provérbios e ditadas da cultura revelam o saber do povo. Por exemplo, os grilos cantam selvagemente antes de partir para fugir do frio. Nesta mesma forma de revelar a cultura chicana, o livro sugere que  o conhecimento de como fazer tortilha deve ser passado de geração a geração para que não se perca: “existem cinco ingredientes para fazer tortilha. Muitas vezes as pessoas pensam que é apenas um” (20) e os ingredientes devem ser dos mesmos que a abuelita usava. A mesma farinha, o mesmo sal etc. Um ingrediente que é  “esquecido lembra  “o indígena em nós, é pequeno mas não menos importante.” (21)
            A linguagem está intimamente ligada com a prática da comunidade, com o trabalho, a culinária entre muitos outros aspectos. A perda da linguagem e até do nome próprio de certa forma vão desterritorializando as personagens do local. Se a linguagem é um marcador importante da linguagem, o fato de ter que receber outro nome significa ter que deixar outra identidade entrar em suas veia. A perda da linguagem ou a falta de controle pode significar que a pessoa não participa completamente da comunidade. Para Ngugi, por exemplo trocar de nome pode significar tirar a identidade de alguém.
Parece que é o que acontece com as crianças que tem que deixar Santa Rita para estudar:  “A escola é muito diferente aqui. As freiras são legais, mas elas me chamam de Nancy. Uma delas disse-me que eu nunca seria alguém com um nome como Nonnatusia. ...Ela renomeou todos. Eu sou Nancy, Pedro é Pete, Jaime é James, Perla é Pearl “  (84-85)

            Interessante observar que a obra de Abeyta ajuda a refletir sobre a condição dos “Hispânicos” e de sua situação nos Estados Unidos.  Neste caso, o povo de Santa Rita reflete as circunstâncias em que vivem as pessoas de origem hispânicas dos mais diversos locais, inclusive os porto-riquenhos que foram “absorvidos” durante a expansão americana.
            A depressão econômica, a decadência do local vivida e sofrida e a necessidade de deixar o local, tudo parece trazer um sentido de perda: “ Santa Rita também iria “desaparecer em pequenos pedaços, como uma terra gelada numa pá. Santa Rita iria desaparecer devagar e poucos entenderiam sua perda. Santa Rita morreria, mas há pedaços dela com seu povo. Poucos saberiam como a cidade foi carregada com eles.“ (61)

            A esperança porém está na memória. As pessoas que carregam a pequena cidade em suas recordações podem cantá-la mais tarde. Se uma criança que nascer no futuro não souber da cidade, “nós escrevemos isso..para que a criança nascida anos mais tarde tenha um marcador, “ uma forma de conhecer e de saber o caminho da casa “durante uma tempestade ou no crepúsculo” (160)

 Abeyta admite que o que ele escreve não é exatamente um romance , mas uma narrativa poética. Primeiro escreve um longo poema, para depois desenvolver a narrativa. Na realidade os próprios poemas são narrativas. O que é interessante nesta discussão para nosso argumento é o convite para olhar e repensar o mundo chicano, as características de um povo que vê sua cultura, sua cidade, seu modo de vida, sua linguagem e até seus nomes desaparecendo. Este é o mundo de Santa Rita, na fronteira entre os Estados de Novo México e Colorado, um mundo que de certa forma “se despedaça” como o mundo de Chinua Achebe no livo Things Fall Apart (1980).
 Referências

            Achebe, Things Fall Apart. Heinemann, 1980
           
            Abeyta, Aaron. Interview to Daniel Olivas. Available at www.jacketflap.com/megablog/?h
            (19/09/2007)
            ___. Rise do not be Afraid. Denver: Ghost Road Press, 2007.
·      García, Mario T. (2000), Luis Leal: An Auto/Biography, Austin, Texas: University of Texas Press, 2000
·      Cabeza de Vaca, Alvár Nunez. Naufrágios e Comentários. Porto Alegre: L&PM, 1999
·      Castanheda

·      Paredes, Raymund (Fall 1995), "Teaching Chicano Literature: An Historical Approach", The Heath Anthology of American Literature Newsletter (12),
·      Saldívar, Ramón. Chicano Narrative: The Dialectics of Difference, Madison, Wisconsin: The University of Wisconsin Press, 1990
·      Rivera, Tomás. ...Yo no se lo tragó la tierra.Houston: Arte Publico, 1990
·      Souza, Marcio. História da Amazônia. Manaus: Valer, 2009
            Taylor, Lawrence Douglas. El Nuevo Norteamericano: Integración Continental, Cultura e           Identidad Nacional. Cidade de Mexico: UNAM, 2001
            Wa Thiong´o . Ngugi. The language of African Literature. In Postcolonialisms: an anthology of cultural theory and criticism, edited by Gaurav Desai and S Nair. Berg: Oxford, 2006.

sábado, 4 de agosto de 2012


O SESC-RONDONIA  e os autores   têm a satisfação de convidá-lo(a) para o lançamento dos livros ANTES QUE ANOITEÇA do autor Miguel NenevéTHIAGO DE MELLO: UMA POÉTICA DO LUGAR do autor  Marcos Aurélio Marques.

SESC ESPLANADA
Av. Presidente Dutra, 4175 - Olaria - Porto Velho - RO
Data: 10 de agosto 2012
19h30min

1)
Título: ANTES QUE ANOITEÇAColeção de contos
Autor: Miguel Nenevé
Editora: BARAUNA
Páginas: 109 páginas
Valor: R$ 20,00

2)
Título: THIAGO DE MELLO : UMA POÉTICA DO LUGARcrítica literária
Autor: Marcos Aurelio Marques
Editora: Valer
Páginas: 140
Preço: R$ 25,00

quinta-feira, 31 de maio de 2012

O estranho, o estrangeiro e o outro no mundo globalizado: desafios e caminhos para a alteridade


                                                     Miguel Nenevé



Sendo aqui um lugar, onde as mentes se independem
ou se isolam  mais rápido,
sem opções, forçadas pela sociedade.
O toque e o trato se debilitam ,
o laço se enfraquece,
perde-se  a intimidade familiar.
a convivência:
os asilos se multiplicam...

Onde a morte é aceita
como um velho amigo,
já  esperado a bater na sua porta,
e te encontrar nas travessas da vida.

Tudo parece ser mais superficial,
embora há fartura material  ( Kim Kevin Siepamann)

No mundo globalizado em que vivemos nos parece fácil afirmar que muitas barreiras entre países e culturas foram transpostas . Daqui da cidade de Porto Velho, na Amazônia brasileira,  podemos “entrar” virtualmente em uma loja da Frys, na cidade de São José, na Califórnia. Podemos ver por meio de fotografias os produtos, saber os preços e ter  quase todas as informações necessárias. Também por meio da internet, com tantas redes sociais, podemos nos encontrar com pessoas de todo mundo, ter acesso a sua imagem e a imagem de seu meio circundante. O que há vinte anos ainda era impossível hoje é uma realidade. Sem dúvida se pensarmos assim, a globalização  aparentemente diminui as barreiras  e deixou o mundo mais ligado, mais conectado e, para usar um estrangeirismo fruto da globalização, mais “linkado.”  Podemos, no entanto, afirmar com segurança que a globalização acabou com as diferenças, que uniu mais os povos, que o estrangeiro deixou de existir? Creio que é fácil perceber que a globalização pode unir, mas pode também separar. Pode dirimir ou estimular as diferenças entre povos, entre etnias e entre os que têm poder e os que não têm. Neste espaço gostaria de refletir brevemente sobre o conceito de “estranho” e “estrangeiro”, o “diferente”, o “ desconhecido” e o “outro” que permanece em nossa vivência mesmo no mundo globalizado.
A epígrafe acima reflete um pouco isso. É um texto escrito de forma poética por um adolescente, Kim Kevin Siepamann que deixou sua terra , o norte do Brasil, para estudar no exterior, mais precisamente no estado de Colorado nos Estados Unidos. Solicitado a escrever sobre suas impressões ele deixou escapar estas linhas que nos fazem lembrar o livro Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley.  O seu texto revela estranheza e desconforto em um mundo em que os “laços se enfraquecem”, onde tudo parece ter menos vida, menos vibração. Isso reflete bem o que falou o americano Robert Danton na entrevista que deu para a “Folha” quando afirma que a fragmentação espiritual enfraquece o “primeiro mundo” por exemplo, e cita o Brasil como os país com vitalidade e vibração. Logicamente que as culturas são diferentes, as Histórias dos povos são diversas  e nem sempre se trata de um ser melhor que outro. O que é interessante é perceber que o estranho e o estrangeiro ainda persistem no mundo globalizado, ainda se é estrangeiro, as pessoas continuam sentindo-se deslocadas, desenraizadas e desconfortáveis ao sair de sua terra. O xenos, como diziam os gregos, no sentido de ser estrangeiro de não pertencer, de não ser membro de determinada comunidade ainda persiste. Mesmo que seja amigo, viajante, hóspede se é  o que vem de fora que não faz parte do grupo e quem não tem muita voz no meio. Estrangeiro pode ser ambíguo, mas tem a conotação do que é de fora a ou como diz Cláudia Dornbusch a respeito  do termo, “o adjetivo correspondente fremd pode significar tanto estrangeiro, quanto estranho como algo extraordinário, novo, que não me parece familiar, podendo causar estranheza, espanto ou estranhamento”.  
Meu argumento é que independentemente do  termo que usarmos, estrangeiro, xenos, étranger, ou étrange, ou fremd, strange ou foreigner, não há como evitar o sentimento de se estar em „ outro lugar“ , outra nação, outra cultura. Portanto há uma conotação de nao pertencimento. E aí que existe o desafio de se fazer pertencer: um  perceptível e indispensável desafio para quem quer crescer, para quem quer enfrentar a provocação  e talvez o”convite”  de conhecer um mundo novo, de atravessar as fronteiras , encarar as dificuldade não somente linguísticas, culturais , mas de outras ordens. É neste aspecto que a estranheza pode se tornar produtiva: a mistura de culturas, origens e “backgrounds” fornece as pessoas, especialmente aos jovens, uma percepção e um alerta inesquecível sobre a importância de apreciar o outro, de valorizar o outro de repensar a si observando o mundo do outro. Aqui podemos falar da alteridade, a noção de que  a diferença constitui a vida social,  e é importante para vida social e pode causar conflito, mas também provoca crescimento.
 Quando um estudante ou outra pessoa se muda para uma nova realidade, a dificuldade é certeira. Dificuldade em adaptar-se ao novo ambiente, aos novos colegas, novo sistema, novas crenças, estilos diferentes de viver e de ensinar, diferentes regras, diferentes lógicas e razões, novo mundo. Com a consciência da dificuldade e a vontade de crescer e abrir-se a outra cultura ao outro consegue-se transpor as barreiras e assim ajudar a dissolver ao menos um pouco a estranheza, o estranhamento, o deslocamento, o sentimento de estar “fora do lugar.” Na realidade é no intercambio, na troca, que a gente adquire novos entendimentos, pensamento crítico e nova compreensão do mundo e da diversidade que ele engloba. A flexibilidade intelectual, a receptividade, a criatividade, a tolerância para com o outro com certeza serão exercidos. É o estranho, o estrangeiro, o fremd o unheimlich de Freud motivando o crescimento. E referindo a “trocas” pode-se dizer que é também a possibilidade de ensinar, de divulgar a riqueza e vitalidade cultural que nós, brasileiros , por exemplo temos. Como disse o americano Robert Danton, falando ao repórter brasileiro: “Vocês têm uma intelligentsia que não existe nos EUA, onde o prestígio de ser um intelectual é menor do que em outros lugares.”  Aí que está a importância de pensar na alteridade, no “alter” no outro e refletir como o “mundo do outro deve ser respeitado” como dizia Octave Mannoni. Olhar para o outro como alguém com quem se pode trocar , a quem podemos ensinar e com quem  aprendemos, não como alguém estranho e estrangeiro ou “bárbaro” que não pode pertencer ao nosso mundo. Este é o desafio que a persiste mesmo com o mundo globalizado.