domingo, 10 de outubro de 2021

AS FLORES E AS HORAS

 


Num domingo de manhã passeando próximo à minha casa, me deparo, na calçada com este presente aos olhos: flores “onze-horas” a desabrochar e oferecer mais cores e sentido para meu domingo. Ainda bem que há espaços em que se vê flores na calçada em nossa Porto Velho. Onze-horas se desabrochando e me convidando a sentir o lado belo da vida. E nem eram onze horas, mas nove no meu relógio. Elas estariam com seu relógio natural adiantado? Aí me lembrei dos meus tempos de criança, no Pirizal, interiorzão de Santa Catarina. `Eu ainda nem feqüentava a escola, mas meus irmãos mais velhos, sim. Não havia relógio em casa, nem rádio, nem TV  e nem nada que pudesse oferecer as horas. Às vezes olhávamos para as flores. Sim, não somente onze horas, mas outras que se desabrocham em certas horas do dia. Que beleza olhar para as flores para saber as horas...Também observávamos a sombra que se produzia quando o sol batia no telhado. Conforme a sombra se movimentava dava para calcular a hora. Calcular , mais ou menos. E nos dias de chuva? E quando mudava de estação e o sol “se levantava” mais cedo? Era uma vida marcada muito pela natureza, pouco pela máquina. Mas acontecia que raramente perdíamo-nos nos horários. Depois meu pai adquiriu um rádio Philco, daqueles grandões. Aí havia uma estação “Radio relógio” que nos guiava. Minha mãe sintonizava esta estação toda manhã, para ninguém perder o horário. Hoje seria considerado absurdo ter que ligar o rádio para ouvir a hora...Mas ficou na lembrança aquele tic-tic-tic-tac no fundo com o anuncio da hora certa (sincronizada com o Observatório Nacional). A cada minuto anunciava-se a hora,  algo importantíssimo nas nossas vidas. E ainda entre um minuto e outro ouviam-se noticias, e curiosidades. Meu avô Gaspar, austríaco, tinha um relógio de bolso que víamos somente quando ele nos visitava, a cavalo. Era, literalmente, coisa de outro mundo. Inimaginável no mundo de hoje, com tanta tecnologia contida num celular onde se pode buscar música, curiosidades, hora certa, noticias o que passávamos naqueles tempos. Por uma inexplicável lógica, não éramos menos felizes...

Tínhamos, talvez se possa dizer, o privilégio  de perguntar as horas para a natureza, às flores. Que saibamos, hoje,  mesmo com todas as tecnologias, sem precisarmos conferir as horas pelas flores, venerá-las uma flor, contemplando seu desabrochar, sentindo todas mensagens lindas que podem  nos trazer e acolhendo as sabedorias que podem nos ensinar.  

                               Miguel Nenevé

Porto Velho upon Madeira, 03-10-21

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