Num domingo de manhã passeando
próximo à minha casa, me deparo, na calçada com este presente aos olhos: flores
“onze-horas” a desabrochar e oferecer mais cores e sentido para meu domingo.
Ainda bem que há espaços em que se vê flores na calçada em nossa Porto Velho. Onze-horas
se desabrochando e me convidando a sentir o lado belo da vida. E nem eram onze
horas, mas nove no meu relógio. Elas estariam com seu relógio natural
adiantado? Aí me lembrei dos meus tempos de criança, no Pirizal, interiorzão de
Santa Catarina. `Eu ainda nem feqüentava a escola, mas meus irmãos mais velhos,
sim. Não havia relógio em casa, nem rádio, nem TV e nem nada que pudesse oferecer as horas. Às
vezes olhávamos para as flores. Sim, não somente onze horas, mas outras que se
desabrocham em certas horas do dia. Que beleza olhar para as flores para saber
as horas...Também observávamos a sombra que se produzia quando o sol batia no
telhado. Conforme a sombra se movimentava dava para calcular a hora. Calcular ,
mais ou menos. E nos dias de chuva? E quando mudava de estação e o sol “se
levantava” mais cedo? Era uma vida marcada muito pela natureza, pouco pela
máquina. Mas acontecia que raramente perdíamo-nos nos horários. Depois meu pai
adquiriu um rádio Philco, daqueles grandões. Aí havia uma estação “Radio
relógio” que nos guiava. Minha mãe sintonizava esta estação toda manhã, para
ninguém perder o horário. Hoje seria considerado absurdo ter que ligar o rádio
para ouvir a hora...Mas ficou na lembrança aquele tic-tic-tic-tac no fundo com
o anuncio da hora certa (sincronizada com o Observatório Nacional). A cada
minuto anunciava-se a hora, algo
importantíssimo nas nossas vidas. E ainda entre um minuto e outro ouviam-se
noticias, e curiosidades. Meu avô Gaspar, austríaco, tinha um relógio de bolso
que víamos somente quando ele nos visitava, a cavalo. Era, literalmente, coisa
de outro mundo. Inimaginável no mundo de hoje, com tanta tecnologia contida num
celular onde se pode buscar música, curiosidades, hora certa, noticias o que
passávamos naqueles tempos. Por uma inexplicável lógica, não éramos menos
felizes...
Tínhamos, talvez se possa dizer,
o privilégio de perguntar as horas para
a natureza, às flores. Que saibamos, hoje,
mesmo com todas as tecnologias, sem precisarmos conferir as horas pelas
flores, venerá-las uma flor, contemplando seu desabrochar, sentindo todas
mensagens lindas que podem nos trazer e
acolhendo as sabedorias que podem nos ensinar.
Miguel
Nenevé
Porto Velho upon Madeira, 03-10-21
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