“mesmo vivendo
assim não desisti de amar” (Belchior)
A língua inglesa tem duas palavras para falar de solidão : “loneliness”
é a dor de estar sozinho, o sofrimento
por não ter companhia que difere de “solitude” que significa estar só, mas estar
satisfeito por estar só, ou até sentir a glória ou a satisfação de estar consigo mesmo
e sentir-se bem. Mark Twain, o escritor americano autor de,
entre outros, As aventuras de Huckleberry
Finn, dizia que “A pior solidão é
quando você não está bem consigo mesmo.” É exatamente isso que quero dizer: há
um processo para se sair do estado em que não se está bem consigo estando só
para um estado em que se está só, mas se pode sentir-se bem consigo. E neste
caso não seria gostar de estar seguindo uma vertente egoísta, mas justamente o
contrário, sentir-se bem ao estar só por acreditar que há algo importante em si,
que há um ser brilhante dentro de si que pode ajudar outras pessoas. A solidão
no sentido de solitude pode proporcionar um estado anímico que resulta em
benefícios para si próprio e para outras pessoas com quem convivemos no dia a
dia. Descobrir dentro de nós mesmos estas coisas requer muita paciência, muito
silêncio, muita coragem de estar só. Uma longa peregrinação dentro de nós pode
conduzir a uma harmonia corpo, mente, alma que ajuda a entender as buscas da
vida.
O ano de 2018 foi
para mim o ano de experimentar este estado de estar só, ano de sofrer a solidão
e também, depois de alguma peregrinação, de “curtir” a solidão mais do que em
qualquer ano. Talvez possa dizer que foi um ano em que pude crescer com a
solidão, ano em que pude de certa forma ter mais intimidade com este estado de
isolamento, intimidade comigo mesmo, isto é, atingir certa solitude. Tudo vem
acontecendo com certa luta, com alguma resignação por haver a vontade de desenvolver
mais a capacidade de me sentir bem estando só. Tem havido tempo em que me sinto
mais apreensivo e às vezes quase revoltado, momentos que que tenho pensado que
melhor que ficar só é ter qualquer companhia, aceitar qualquer proposta para não
sentir falta de ninguém. Tem sido um processo longo e contínuo para acreditar
que estar só é necessário a fim de poder ser melhor companhia para quem quer que
seja. Muitas vezes me tem me visitado à memória os tempos em que morava em Tubarão,
SC. Tempo de estudante de Letras na UNISUL, em que passava os domingos em um
quarto de hotel, só, lendo, estudando,
interrompendo a tarde para ver um jogo no estádio Hercílio Luz. Tantos caminhos
sozinhos que preenchia com atividades para me permitir sonhar. Hoje a solidão é
diferente, mas de certa forma é alimentada com sonhos também. Maldizer a solidão
é que não maldigo, embora às vezes ainda queira fugir dela antes de me recompor
por completo. Na época de Tubarão, escrevi o poema “Domingo Triste” que, entre
outras coisas, dizia assim:
O casal de
namorados
que passa em minha frente
é triste
tudo é triste
porque estou triste.
Neste domingo
até a chuva que cai é
pálida e acanhada
Era realmente um estado de solidão que causava dor, que
causava ansiedade por uma companhia... Mas nem por isso deixei de escrever, de
estudar para me auto-afirmar. Uma solidão do tipo “loneliness”, que me fazia
sofrer. Depois daqueles tempos de Tubarão, parecia que era difícil ficar muito
só, até porque as convivências não permitiam isso...
Talvez eu possa dizer que o ano de 2018 foi quase uma volta
àquele tempo. Iniciei o ano e terminei o ano só, sem ter para quem voltar no
fim de um dia de trabalho... Voltar para ninguém, já dizia meu amigo, poeta e
cronista, Vítor Hugo Martins, pode ser dolorido. Bom é poder dizer, após um dia
de trabalho, que em vez de “voltar para ninguém” se está voltando para sim
mesmo.
Importante para mim poder reviver 2018 e dizer agora, no último dia do ano, que este, seguramente,
foi o ano em que muito vagarosamente, muito lentamente, fui transitando da
loneliness para a solitude... Processo de osmose, um caminho árduo... Quantas
vezes tive que lutar contra um outro eu para dizer que não me interessava mais
ficar junto por estar, que não desejava aceitar qualquer convite para
simplesmente não ficar sozinho...
Quantas vezes quase adentrei novamente num
falso caminho aparentemente salvador da solidão, mas que acabava mostrando
desesperança. Como o lobo da estepe de Herman Hesse parece que às vezes há dois
homens lutando dentro de mim e o caminho quase se perde, e tudo quase se perde,
aquela conquista de mim mesmo, aquele estado de me sentir bem comigo mesmo,
quase vai ao espaço em alguns momentos. Sem dúvida que tenho estado socialmente
ativo para participar de filmes, de teatro, de uma vida fora de casa em eventos
culturais ou acadêmicos. Mas o anseio por uma companhia ou uma companheira
logicamente não tem sido preenchido por isso. O anseio pode se transformar
então em dor.
Porém, minha leve
incursão na prática da yoga e na meditação budista vem abrindo meu coração e minha
mente para eu poder perceber que há um tesouro em mim mesmo, portanto um grande
valor em ficar só. Sim, é bom despertar para algo de doce, leve e luminoso na solidão (solitude, neste
caso). Agradeço muito por esta
oportunidade de poder abrir uma janela de onde se vê que estar realmente só com
pensamentos e sentimentos , pode proporcionar um crescimento no bem estar. Fui
aprendendo, estou aprendendo ainda, que a verdadeira solitude, a boa solidão,
ajuda-nos a refrescar nossa mente, nosso coração, e aí nos oferece a possibilidade
de tirar o melhor que uma mente relaxada e um coração aberto podem conseguir...
Solitude, poderíamos dizer é a solidão de alta qualidade, solidão que livra-nos
de estímulos externos prejudiciais à criatividade
e que nos impedem de abrir nosso coração. Parece que foi Thomas Edison que
disse que os melhores pensamentos surgem quando estamos realmente só e os
piores são os gerados em momentos tormentosos em multidão.
Agradeço, por isso, ao CEBB pela oportunidade
dos estudos e da pratica da Yoga. Todos os seres se beneficiam quando estamos
bem conosco mesmos. Textos budistas também me sugeriram que a gente descobre na
solidão valores que temos e valores que devemos cultivar, desenvolver: a Paz de
espirito, o estar por completo (“Onde estiver, estiver esteja por completo” a
mensagem que recebi.). Isso não significa, porém, que a gente não busque mais a
companhia ou o ato de partilhar... Aliás,
a partilha fica melhor quando descobrimos os valores que temos e queremos
trocar com outros.
Algumas leituras neste campo de pensamentos também me
encorajaram a perceber o benefício da solidão, de estar bem comigo e iniciar um
relacionamento somente quando estiver totalmente bem com minha solidão.
Assim,
a busca por uma companhia ou por uma
companheira não seria, ou não será para fugir da solidão, mas sim, para
partilhar um mundo melhor, para beneficiar alguém e ser beneficiado com sua
companhia...Poder oferecer algo, poder suavizar uma dor, poder encorajar
alguém em seu caminho duvidoso só é possível quando nos conhecemos, quando
reconhecemos que podemos ser luz para alguém. Isso promove um refúgio em nós
mesmos e ao mesmo tempo a abertura para ajudar outros traz conforto para o
espírito.
Quero continuar 2019 com a intenção de procurar dentro de
mim mesmo um lugar onde possa viver momentos de solitude, de sentir me bem, um
lugar onde eu possa me RENOVAR, onde a estação da primavera ofereça novas flores,
novos perfumes, novas cores, crenças e criações. Assim haverá possibilidade de
beneficiar outros seres
É muito prazeiroso quando amamos nossa propria companhia
ResponderExcluirAmo ser só.
Muito grato
ExcluirÉ muito prazeiroso quando amamos nossa propria companhia
ResponderExcluirAmo ser só.
é mesmo, bem assim...
ExcluirMuito bom...o prazer de estarmos só, significa o encontro do eu em mim.
ResponderExcluiré bem por aí, Vera
ExcluirLindo texto
ResponderExcluirgrato por ler
ExcluirO amor é um sentimento que não se explicar.
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