NÃO PERGUNTE POR QUEM OS SINOS DOBRAM
*Miguel Nenevé
“A resposta é que você está aqui – que a vida existe com i dentidade/ que o poderoso jogo continua e você contribuirá com um verso” (WALT WHITMAN - Leaves of Grass)
Há dois dias, querendo comunicar-me com um amigo, abri o facebook, entrei na sua página. Queria escrever-lhe uma mensagem e saber um pouco de sua vida. Iria perguntar como ele estava indo, já que tinha se mudado para Fortaleza e a conversa “tête à tête” já não era possível. A surpresa que tive, porém, me deixou perplexo e depois macambúzio. Na página do amigo, havia o anúncio de sua morte, postado por seu irmão.
Pedro Walter Zevallos Pollito, que viera do Peru à procura de vida melhor, depois de ter se graduado na Universidade Maior San Marcos, de Lima, tinha morrido. Walter tinha morado em outros países, tinha percorrido mundos à procura de um espaço seu antes de aportar em Porto Velho. A notícia agora dizia que ele se fora para outras dimensões. Fui saber depois, que a morte fora devido a uma broncopneumonia. Ainda reli as mensagens antigas do Professor Walter, que tinha sido nosso colega, professor de espanhol aqui no Núcleo de Estudos Canadenses da universidade. Sim, ele partiu, embora em idade que um professor, profissional das Ciências Humanas não devia partir.
A noticia de sua morte me fez rever um pouco sua trajetória, seu esforço para vencer o sentido de deslocamento. A falta de pertencimento, de ter seu lugar, deixava-o às vezes um ser meio submisso, parecendo que queria agradar as pessoas com quem trabalhava, que precisava convencer a todos que ele seria uma pessoa útil no seu ambiente. Era muito benéfica sua presença, seu trabalho importante e convincente, mas ele parecia estar sempre querendo nos convencer de que ele poderia fazer mais, que poderia satisfazer melhor as necessidades da escola ou do local onde trabalhava. Aceitou trabalhos de professor com contrato emergente em locais distantes do centro mais confortável, no calor e na umidade das beiras do Rio Madeira, como no distrito rondoniense de Calama, onde só se chega pelo rio. Morou em escolas para evitar aluguel e poder viver com certa dignidade. Sua desterritorialização, no entanto, o deixava assim, como se não pertencesse. Não era brasileiro e, quase inacreditavelmente, mesmo aqui no Norte, sofria preconceito por isso, pois viera de um país vizinho, colonizado, sul-americano. Casou com uma brasileira para poder viver melhor, sentir-se mais “locado” e mais focado, mas nem pôde desfrutar muito disso.
Morreu um deslocado, um estrangeiro, um estranho que, para alguns, não pertencia a nós. Afinal, era peruano, não tinha raízes aqui, nem em Fortaleza para onde se deslocou e onde foi morrer. O sino, ao tocar a sua morte, talvez nem tenha chamado a atenção de muitos, já que poucos o conheciam por onde andou.
No entanto, sua morte me faz lembrar o que John Donne, grande poeta e prosador inglês, contemporâneo de Shakespeare , advertia a seus leitores em uma de suas meditações, já no século XVII. Donne dizia que “quando um homem morre, é um pedaço da humanidade que morre”, independentemente se for ou não nosso conhecido. Por isso, argumentava, a morte de qualquer homem nos diminui, uma vez que fazemos parte da humanidade; então “quando ouvir um sino dobrar, não mande perguntar por quem o sino dobra, pois ele dobra por você.”
Com certeza, dobra por todos nós que muitas vezes desprezamos o estranho, o desconhecido, o estrangeiro. Muitas vezes reclamamos que nós, brasileiros, sofremos discriminação em outras terras, e, contudo, alimentamos o mesmo preconceito com nossos irmãos bolivianos, peruanos e agora haitianos que cruzam a fronteira. Por virem de um país mais pobre já há a tendência de olharmos como seres “inferiores”. E perdemos a oportunidade de aprender muito com o exemplo de garra, de luta, de fé, de humanidade e humildade que nos deixam. Como nos deixou Walter Pedro Zevallos. Com certeza, nos sentimos diminuídos com sua morte. Onde estiver, do seu jeito humilde e confiante, Zevallos estará celebrando nossa amizade.
Pedro Walter Zevallos Pollito, que viera do Peru à procura de vida melhor, depois de ter se graduado na Universidade Maior San Marcos, de Lima, tinha morrido. Walter tinha morado em outros países, tinha percorrido mundos à procura de um espaço seu antes de aportar em Porto Velho. A notícia agora dizia que ele se fora para outras dimensões. Fui saber depois, que a morte fora devido a uma broncopneumonia. Ainda reli as mensagens antigas do Professor Walter, que tinha sido nosso colega, professor de espanhol aqui no Núcleo de Estudos Canadenses da universidade. Sim, ele partiu, embora em idade que um professor, profissional das Ciências Humanas não devia partir.
A noticia de sua morte me fez rever um pouco sua trajetória, seu esforço para vencer o sentido de deslocamento. A falta de pertencimento, de ter seu lugar, deixava-o às vezes um ser meio submisso, parecendo que queria agradar as pessoas com quem trabalhava, que precisava convencer a todos que ele seria uma pessoa útil no seu ambiente. Era muito benéfica sua presença, seu trabalho importante e convincente, mas ele parecia estar sempre querendo nos convencer de que ele poderia fazer mais, que poderia satisfazer melhor as necessidades da escola ou do local onde trabalhava. Aceitou trabalhos de professor com contrato emergente em locais distantes do centro mais confortável, no calor e na umidade das beiras do Rio Madeira, como no distrito rondoniense de Calama, onde só se chega pelo rio. Morou em escolas para evitar aluguel e poder viver com certa dignidade. Sua desterritorialização, no entanto, o deixava assim, como se não pertencesse. Não era brasileiro e, quase inacreditavelmente, mesmo aqui no Norte, sofria preconceito por isso, pois viera de um país vizinho, colonizado, sul-americano. Casou com uma brasileira para poder viver melhor, sentir-se mais “locado” e mais focado, mas nem pôde desfrutar muito disso.
Morreu um deslocado, um estrangeiro, um estranho que, para alguns, não pertencia a nós. Afinal, era peruano, não tinha raízes aqui, nem em Fortaleza para onde se deslocou e onde foi morrer. O sino, ao tocar a sua morte, talvez nem tenha chamado a atenção de muitos, já que poucos o conheciam por onde andou.
No entanto, sua morte me faz lembrar o que John Donne, grande poeta e prosador inglês, contemporâneo de Shakespeare , advertia a seus leitores em uma de suas meditações, já no século XVII. Donne dizia que “quando um homem morre, é um pedaço da humanidade que morre”, independentemente se for ou não nosso conhecido. Por isso, argumentava, a morte de qualquer homem nos diminui, uma vez que fazemos parte da humanidade; então “quando ouvir um sino dobrar, não mande perguntar por quem o sino dobra, pois ele dobra por você.”
Com certeza, dobra por todos nós que muitas vezes desprezamos o estranho, o desconhecido, o estrangeiro. Muitas vezes reclamamos que nós, brasileiros, sofremos discriminação em outras terras, e, contudo, alimentamos o mesmo preconceito com nossos irmãos bolivianos, peruanos e agora haitianos que cruzam a fronteira. Por virem de um país mais pobre já há a tendência de olharmos como seres “inferiores”. E perdemos a oportunidade de aprender muito com o exemplo de garra, de luta, de fé, de humanidade e humildade que nos deixam. Como nos deixou Walter Pedro Zevallos. Com certeza, nos sentimos diminuídos com sua morte. Onde estiver, do seu jeito humilde e confiante, Zevallos estará celebrando nossa amizade.
*Miguel Nenevé é professor de Literatura em Língua Inglesa da Universidade Federal de Rondônia. Cronista e contista.
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