A FONTE DA SAUDADE
Eu já sei que qualquer dia Tudo vai dançar
Mas a fonte da saudade
Nem
o tempo vai secar...(Kleiton & Kledir)
A fonte da saudade não seca. Ela , aquela mulher feita de
muitas mulheres, que trouxe-me muitos sonhos. Ela é a fonte da saudade, ela que gera lembranças,
vontade de voltar ao tempo, de gozar de sua convivência, de olhar para a
transformação da natureza como reflexo da transformação que ela me faz ao longo
do tempo....
Agora que é tempo de mudança de estação, eu me encho de perguntas, de buscas, de vontade de mudar......Queria estar me
metamorfoseando sem sentir dor...Mas sei não há metamorfose sem dor....A
PRIMAVERA parece já um convite para
renovar a natureza. E eu aqui sentindo o regar da chuva, observando o
ipê florindo, vendo o passarinho correndo para preparar um lar para nova
temporada, não consigo olhar para a frente. Apego-me a um passado, ao passado
com ela.. Todas as atenções são para quem não está mais aqui comigo, todo o meu
pavor se dá por causa do vazio da casa, que foi cheia de sol, mas agora sofre de escurez por sua
ausência. Ausência agora me espanta....
Eu poderia ter um novo sentido ao percorrer a casa, sair para fora, ao ir ao mercado a
caminhar...Mas como comprar um peixe para o almoço de domingo sem ela para me
acompanhar? Nada pode fazer sentido. O passarinho passa cantando um canto mais
lindo, mas para mim é um lamento. Aquela música que ela deixou produziu marcas
dela num coração que sente. Os tons e a
melodia...tudo o mesmo. Já não existem, porém, os significados de ontem.
Como ficar nesta casa
num domingo?, dor-mingo, me minguo.... Como fazer um almoço aqui, sem partilha,
sem sua parte, seu lado , única
companhia nos meus domingos?
A minha vontade de escrever , de soltar o grito já não me
impulsiona muito, pois não sei como escrever se não tenho uma leitora em
potencial que era ela, aquela silenciosa que lia e escrevia e vi certa vez na aula a me contemplar...?. Escrever para quem não me quer ler é como caminhar ao
encontro de quem não tem intenção de nos encontrar, ou como dar a mão para quem
não quer cumprimentar..
E a noite calma das lembrança vai se espalhando pelo céu.....Vai deixando a alma
tempestuosa, desditosa e em confusão profunda...Ir para frente sem olhar para
trás, sem ouvir sua chamada, sem esperar por um aceno para voltar? É possível?
Seus olhos já não se encantarão com os
meus? No meio das perguntas a vontade de
recomeçar tudo de novo, com paixão, com ela transpirando sonho. Minha inclinação em trilhar novo caminho ainda
percorre comigo nas minhas horas de
reflexão...
Aí ressoam ecos do Neruda ,com seu poema , falando por mim:
“Vou-me embora. Estou triste: mas sempre estou triste. Venho dos teus braços.
Não sei para onde vou.”
(Miguel Nenevé)
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