Sobre a poeta P. K. Page, publicado já há algum tempo na Revista PRESENÇA, da Unviersidade Federal de Rondonia.
http://www.revistapresenca.unir.br/artigos_presenca/11miguelneneve_umacanadenseapaixonadapelobrasil.pdf
REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Març.-N° 11, Vol I, 1998
1
UMA CANADENSE APAIXONADA PELO BRASIL:
UMA LEITURA DE THE BRAZILIANJOURNAL DE P.
K. PAGE K. PAGE
Miguel Nenevé * Miguel Nenevé *
Resumo: Diferente dos livros de literatura de viagem que apresentam o país
estrangeiro com olhos imperiais minimizando a terra e o povo que vive ali,
Brazilian Journal convida o leitor a ler o Brasil através de um olhar curioso e poético.
Cada momento oferece uma nova descoberta, uma nova visão de beleza. Embora o livro
seja em forma de diário, a autora não fala muito dela mesma, mas do Brasil cheio de
alegria e beleza visto com olhos poéticos.
Palavras – Chave : Beleza, Descoberta, Diário e Poético.
Abstract : Unlike travel literature books that present the foreign country with eyes Imperial
minimizing Earth and the people who lives there, Brazilian Journal invites the reader to read the
Brazil through a curious look and poetic. Every moment offers a new discovery, a new vision of
beauty. Although the book is shaped like a diary, the author doesn't speak much herself, but do
Brasil full of joy and poetic beauty seen with eyes.
KeyWords: Daily Beauty, Discovery, and Poetic.
Em 1957 a canadense Patrícia Kathleen Page veio ao Brasil para
acompanhar o marido Atrhur Irwin que fora nomeado embaixador do Canadá. P.K.
Page já era reconhecida como poeta no Canadá, tendo inclusive recebido
prêmio pelo livro The Metal and the Flower. Chegando ao Rio de Janeiro a então
capital brasileira, Page iria se encantar com o Brasil. Ali era pararia de escrever
poesia para retornar somente dez anos depois. Mas no Brasil ela começaria a
pintar. No Brasil também ela escreveu um diário que serviu de base para o livro
REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Març.-N° 11, Vol I, 1998
2
Brazilian Journal. Embora classificado como literatura de viagem, a obra
contém muita linguagem poética e agradável. Neste artigo pretendo explorar
Brazilian Journal como uma declaração de amor ao Brasil.
Diferente dos livros de literatura de viagem que apresentam o país
estrangeiro com olhos imperiais minimizando a terra e o povo que vive ali,
Brazilian Journal convida o leitor a ler o Brasil através de um olhar curioso e
poético. Cada momento oferece uma nova descoberta, uma nova visão de
beleza. Embora o livro seja em forma de diário, a autora não fala muito dela mesma,
mas do Brasil cheio de alegria e beleza visto com olhos poéticos. Quando fala
de nossa beleza natural, por exemplo, ao descrever a praia de Ipanema: "The
beach was beautiful --- Slightly hazy. Black, Brown, White Brazilians in futebol
sweaters, kicking the bal about in the thick, soft, sand;" (A praia está linda ---
levemente brumosa. Pretos, mulatos e brancos brasileiros em camisa de futebol
chutando a bola na areia grossa e macia.) Percebe-se então que a prosa de
Page carrega a sensibilidade poética revelada em muitas ocasiões. Falando
de Florianópolis, a autora diz: "A lovely drive. Ali along the beautiful coast
tumbling, tangling vegetation, sweeping beaches, little island and great smooth
round stones in the sea... (Uma viagem maravilhosa. Sempre ao longo do lindo
litoral --- vegetação emaranhada e revolta, praias se arrastando, pequenas ilhas e
grandes pedras lisas e redondas no mar). Como na sua poesia, no Journal, os
passarinhos também aparecem freqüentemente "pulando de alegria". As
palmeiras do Brasil por sua vez, muito "esbeltas e elegantes".
A observação da beleza natural, no entanto, não faz com que a escritora
deixe de perceber o povo que ali habita sua cultura e seu viver. Ela revela ter
uma mente aberta e sem preconceito para admirar o jeito de ser dos brasileiros. O
seu reconhecimento de sua condição de "outsider" é importante para que ela nunca
faça generalizações e julgamentos que possam diminuir o valor do povo que aqui
vive. “Portanto, mesmo revelando-se um pouco colonialista ao apresentar o Brasil
como ‘um paraíso tropical”, a autora está longe de julgar o país com olhos
"superiores" como era muito comum a escritores de viagem nessa época.
Page revela uma grande disposição para aprender sempre mais, ouvindo o
povo, participando de tudo o que pode para poder imergir-se na cultura brasileira.
Assim, o povo brasileiro desempenha importante papel em seu livro. Logicamente
que sendo uma mulher de embaixador, o primeiro contato que autora tem com o povo brasileiro ficam restritos aos seus empregados e autoridades políticas.
Seu interesse em conhecer o país, no entanto, faz com ela visite museus e igrejas
cheios de arte onde ela aprende um pouco da história e cultura brasileira. Ela
fica conhecendo famosos artistas já falecidos e vivos. Não pode esconder,
por exemplo, sua admiração por Portinari que ela "cumprimenta com um tipo de
olho especial" . A autora também ouve música brasileira, vê nossos filmes e
comenta sobre eles, vai a estádio de futebol para se entusiasmar com todo o
movimento que permeia uma partida de futebol. Ao lermos o seu livro podemos
perceber que sempre que possível ela estava conversando com as pessoas e
aprendendo sobre o Brasil. O seu interesse em aprender o nosso idioma logo no
início revela sua vontade de imergir-se melhor em nossa cultura.
Diferentemente de outros estrangeiros vivendo no Brasil naquela época, ela logo
começa a usar o português em todas as ocasiões. Na realidade ela critica
estrangeiros que passam anos aqui sem interesse em aprender nossa língua e
nossa cultura.
Page critica, por exemplo, os americanos que vêm ao Brasil só pelo trabalho e
lucro, mas que depois de muitos anos não têm aprendido nada sobre o Brasil:
"Next Day another session of the North American community. Very, very tiresome.
It's as if they have no eyes. For them Brasil is nothing but a series os smells - ali
unpleasant!"(No próximo dia outra sessão com a comunidade norte-americana.
Muito, muito cansativa. Parece que eles não têm olhos. Para eles o Brasil não é
nada mais que um cheiro desagradável!). O leitor pode sentir que às vezes a
autora trata o Brasil como se fosse seu próprio país sentindo-se ofendida com
aqueles que o olham como se fosse uma terra de povo inferior. Em outra
ocasião, por exemplo, ela critica o espírito colonizador de um empresário britânico
no Rio Grande do Sul: "Our Brites hosts were astonishing by everything. They
had lived there twenty three years as if on the point of returning "home" and so had
taken little interest in the local people or sights. The manager's wife, in fact spoke
hardly a word of Portuguese..."(Nossos hóspedes britânicos estavam
assustados com tudo. Eles tinham vivido ali vinte e três anos já quase retornando
para "casa" e tinham tido pouco interesse no povo e na paisagem local. A esposa do
gerente falava malmente algumas palavras em Português). Depois de ouvir dos
britânicos que no Brasil não há nem crânio nem energia suficiente para dirigir uma
empresa, a autora reafirma sua repulsa contra atitude colonial dos britânicos emo que uma grande percentagem de britânicos
tenha esta atitude em relação ao Brasil". Ela lembra depois que esta atitude não é
encontrada somente entre britânicos, mas também entre canadenses. Ela diz que no
escritório canadense havia um estenógrafo que desprezava os brasileiros "que
nem eram brancos". Quando a autora teve que fazer uma cirurgia, a estenógrafa
diz: "Estou surpresa que você não fará a operação em casa. Deve ser horrível
pensar que tem que ir a um hospital brasileiro." Depois de relatar isso, a
autora faz a sua conclusão: "O preconceito não morre com facilidade".
Brazilian Journal fornece ao leitor uma série de comentários que
mostram como o autor se opõe à visão que considera um povo como inferior ao
outro. Seu livro revela que há muitos estrangeiros que detestam o Brasil, mas
vivem aqui por que aqui está seu "Bread and butter" ou por que aqui há lucro
melhor do que "em casa". Muitas dessas pessoas com mente colonizadora não
seriam nada "em casa", mas aqui num país economicamente inferior, julgam-se
superiores aos brasileiros. Até a atitude do ministro canadense para Assuntos
Externos é criticada. Sobre ele, em visita ao Brasil, Page diz: "Eu suspeito que ele
se deu melhor aqui do que em seu país onde a gabolice conta menos". A mulher do
ministro por sua vez não demonstrou nenhum interesse pelo Brasil e
provavelmente "não pode aprender nada sobre o Brasil".
Este amor de Page pelo Brasil, no entanto não é ingênuo. A autora
observa o país com mente aberta, sem preconceito, mas o critica também quando
acha necessário. Por exemplo, ela denuncia o fato de nunca ter visto um negro
em festa social. A má distribuição de renda também não lhe agrada. Infelizmente,
diz ela, o Brasil tão alegre forma "um mundo onde os ricos são muito ricos e os
pobres muito pobres". Esta crítica não significa que ela se julga na posição de julgar
o país ou tratar como inferior ao Canadá. Pelo contrário, quando fala do povo
Brasileiro ela confessa que ele é mais alegre e mais festivo e mais livre que o
canadense.
Amando a cultura do país, admirando o seu povo, reverenciando a sua
natureza Page iria viver sempre mais a sua brasilianidade. Quando ele recebe a
notícia que terá que deixar o país em 1959 por causa da transferência de seu marido
para outro posto diplomático, ela proclama que não tem "nenhuma vontade de
sair". Mais tarde ela diria: "porque nós somos brasileiros".
Pode-se dizer, então, que Brazilian Journal é uma obra importante da
literatura canadense sobre o Brasil no tempo de Juscelino Kubitscheck. Todo o
brasileiro que estuda literatura canadense ou brasileira como também história e
cultura brasileiras, deve conhecer esta obra. É aqui que Page teve a experiência de
liberdade e a "visão de beleza" como ela diz. Ela deixou o Brasil em 1959, mas
o Brasil não deixou jamais a sua mente. Em sua poesia e prosa posterior o
Brasil estará sempre presente. Escrevendo para mim em maio de 1997 a
autora diz: "Indeed, my Brazilian Journal was a declaration of Love. I was very
happy in your country and filled to the brim with the beauty" (De fato minha obra
Brazilian Journal foi uma declaração de amor. Eu fui muito feliz em, seu país.
Eu fui completamente inundada pela beleza).
*Miguel Nenevé. Professor Doutor do Departamento de Letras da UFRO.
REVISTA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE- Març.-N° 11, Vol I, 1998 5
Nenhum comentário:
Postar um comentário