Esta crônica foi publicada em Primeira Versão, em outubro de 2010, resultado de um concurso de Contos e Crônicas promovido pela ADUNIR. Pode ser acessada tambem por este endereço: http://www.primeiraversao.unir.br/artigos_volumes/268_%20contos_.pdf
A linguística, a escrita a fala e a falha.
Miguel Nenevé
O título desta crônica é mesmo uma alusão ao trabalho do respeitável Rajagopalan, linguista indiano radicado no Brasil e trabalhando pela UNICAMP há
mais de dez anos. A Linguística que nos faz falhar provoca polêmicas discussões sobre língua, ensino da língua, preconceito e cultura. Gostaria de discutir sobre a
linguística que nos faz falar e falhar. Mesmo meu propósito não sendo o mesmo do autor indiano, creio que este título me faz bem para o que quero sugerir.
Ao adentrar o campus da UNIR, em um dia destes, pude ler, mesmo dirigindo, o anúncio em letras garrafais: “Congresso da ABRALIN – de 11 à 17 de
setembro.” Sim o “a” estava craseado. O congresso reunia doutores em linguística de várias regiões do Brasil e até do exterior. Eram portanto, doutores em Letras.
O cartaz provavelmente foi preparado por alguém que não é da área e não tem educação linguística. No entanto, não foi corrigido por ninguém. Isso me traz à
mente muitos outros problemas relacionados ao nosso idioma que aparecem em anúncios na Universidade Federal de Rondônia. A data do vestibular, por exemplo, vem sempre anunciada com “a craseado” antes do número que se refere ao dia.
E assim, começo a observar o falar e o escrever em nossa instituição,
principalmente de nossos professores. “Tu descreveu bem,” um professor doutor escreve para o outro. Então nem me refiro muito à língua falada que pode estar
carregada de problemas gramaticais, mas a língua escrita, usada, muitas vezes em anúncios públicos.
Uma vez entrei em sala de aula e me deparei com uma frase no quadro: “a dois meses não chove.....”, não sei se escrita por professor ou por aluno .
Comentei com os alunos que a frase precisava ser revisada, e que deveria ter sido escrita assim: “há dois meses...” que neste caso devemos utilizar o verbo
“haver.” Os alunos me responderam : “mas para a linguística não existe o errado, a linguística aceita tudo.”
Pode parecer então que quem prima pela correção da linguagem, pela eficiência na comunicação é um conservador que não entende de linguística. Será?
Isso sugere uma reflexão sobre o ensino da língua, da comunicação oral e escrita e da função da linguística. Em vez de dizer que “a linguística aceita tudo”,
não seria melhor colocar em discussão o porquê da tendência em cometer estes erros, não desprezar a linguística, mas apontar para o uso culto da linguagem?
Parece-me poder ser possível dizer que quem defende que toda a linguagem é correta, que a universidade deve se preocupar com coisas e causas mais
nobres, está favorecendo o status quo, está sugerindo que saber bem a língua culta é algo para privilegiados e não para todos. Creio que é possível dizer também
que é hora de discutir por que em nossa universidade agredimos tanto a língua portuguesa. É tudo culpa da linguística?
Miguel Nenevé - Professor Associado do Departamento de Letras Estrangeiras. Atua como professor de Literaturas de Língua Inglesa no curso de Letras e como
professor de Literaturas e Amazônia no Mestrado em Letras. Têm publicações nas áreas de Tradução, Estudos pós-coloniais, Literatura Canadense, Literatura de
viagem sobre a Amazônia e Educação na Amazônia.
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