Como Poe, poeta louco americano, eu pergunto ao passarinho:
Onde está o Belchior? *
Miguel
Nenevé
Onde anda o cantor e grande poeta cearense, Belchior?
Estaria ele “sentado à beira do caminho, para pedir
carona”? Não se tem mais notícia deste
poeta, que como Poe, é realmente “poeta louco sul-americano”, poeta maldito que
faz um bem danado ás artes. Na realidade sua poesia fez bem danado a mim,
quando adolescente, longe de casa.
Foi nos tempos de seminário católico quando ouvíamos a Rádio
Bandeirantes que tocava “Apenas um rapaz
latino-americano” que aprendi a gostar deste compositor. Com poesia e música ele
foi marcando minha adolescência e juventude. Quando percebi que ele “transava a
noite no Danúbio azul”, aliás, transava filosofia, literatura, citava John Done,
Castro Alves, John Lennon, Drummond entre
muitos outros, fui percebendo mais a grandiosidade do poeta. Uma vez, já muito
fã dele (fã, de fan , de fanático) cheguei a brigar com uma colega que dizia
que Caetano era mais poeta. Briga de adolescente que queria defender seu ídolo.
E eu dizia “quem mais poderia escrever
coisas como ‘em New Orleans bandos de
negros afins, tocam em bandas , banjos, bandolins, onde jaz meu coração’ ? “.
Muito tempo depois, já
professor de Literatura americana , na Universidade Federal de Rondonia, em Porto Velho, tive a oportunidade de encontrá-lo no Hotel
Aquarius. Minha amiga Marilene Proença e
eu acabamos almoçando com ele. No dia
seguinte eu levaria a Marilene ao aeroporto e lá estava o Belchior novamente, procurando
na pequena livraria alguma coisa para ler. Falei a ele que costumava iniciar minhas aulas sobre Edgar Allan Poe, recitando
Belchior: “Como Poe, poeta louco americano, eu pergunto ao passarinho, o que se
faz, And never raven.....” Ele contou-me
como começou a gostar de Edgar Allan Poe, mencionou “The Raven” e citou vários
contos que lhe impressionaram. Ficou de
enviar textos, ficamos de trocar e-mails...Porém, nevermore...Depois, soube
pela Marilene que ele perdera o avião naquela tarde. Por medo de avião?
Por onde anda o Belchior agora eu não sei! Será que um fã
teria direito de saber? Faz sol na
América do Sul, faz calor, faz poeira. Onde está a rede branca, o cachorro
ligeiro... Estará ele fugindo de tudo, fugindo do sonho para a vida, já que
“viver é melhor que sonhar” ? Há algum perigo na esquina e é preciso talvez
desviar, jogar tudo fora e sair deixar tudo e viver em outras “ilhas cheias de distâncias” ?
Volte Belchior para falar de coisas novas que também são
boas.
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