“THE PARROT AND DESCARTES”: A FORMAÇÃO INICIAL
DO PROFESSOR DE LÍNGUA INGLESA E A IMPORTÂNCIA
DA SUBJETIVIDADE
por ; Lusinilda Carla Pinto Martins
Universidade Federal de Rondônia (UNIR) E-mail: lcarla22@gmail.com
Miguel Nenevé
Universidade Federal de Rondônia (UNIR) E-mail: neneve@unir.br
RESUMO:
Neste estudo propomo-nos a discutir questões de subjetividade
versus a objetividade na formação inicial de professores e na
“Prática de Ensino” de uma língua estrangeira, principalmente o
Inglês, no Brasil. Partindo de um conto intitulado “O Papagaio e
Descartes” da escritora Guianense Pauline Melville, exploramos a
necessidade de se repensar o “cartesianismo” e o racionalismo
quando falamos em dados sobre formação de professores de inglês.
Infelizmente o cartesianismo e o objetivismo têm influenciado nossa
percepção e nossa avaliação sobre o que é “bom” e “ruim”, o que é
considerado digno de ser aceito como “verdade” ou não. Muitas
vezes, lamentavelmente o que é local, o que é subjetivo é
considerado indesejado. Estudiosos brasileiros, tais como M. J.
Coracini e Souza (1991), I. L. Araújo, I. L (2003) e o australiano póscolonial Bill Ashcroft (2008) dão suporte a nosso argumento.
Palavras-chave: Educação; Subjetividade; Objetividade; Ensino de
línguas estrangeiras.
ABSTRACT:
In this paper we propose to discuss the issue of subjectivity versus
objectivity in the teaching practice of foreign language, especially
English, in Brazil. Starting from the short story “The Parrot and
Descartes” by Pauline Melville, we argue that Cartesianism has
influenced a view on Education which tends to consider good and
valuable what is “scientific” and “objective” and “universal”. The
subjective, the local seem to be considered undesirable and
unreliable. Brazilian scholars on the Education field, such as Coracini and the Australian postcolonial
critic Bill Ashcroft (2008) are important support for our argument.
Keywords: Education; Subjectivity; Objectivity; Foreign Language
teaching
INTRODUÇÃO
Em uma placa de informação para turistas na Universidade Federal de
Rondonia, conhecida por UNIR, desde a sua fundação em 1982, encontramos a
informação em inglês: “Universidade Federal de Rondônia – UNITE was founded....”
O fato de traduzir UNIR – literalmente demonstra como se desconsidera o local, a
história, o sujeito. Isso é, infelizmente mais comum do que se pensa. Quando nos
referimos à língua estrangeira parece que logo temos que pensar em algo
totalmente racional, cartesiano, universal em que devem ser esquecidas todas as
particularidades, onde tudo tem que ser objetivo, racional e cartesiano. Não se
considera as particularidades, do local, da historia do sujeito, das suas
particularidades. Neste caso de nosso exemplo, o fato de a tradução ser feita por
uma empresa de fora da cidade, contou muito. Pensou-se de uma forma cartesiana,
racional considerando que o verbo unir traduz-se por “Unite” então a UNIR,
instituição também é “Unite.” Não se considerou que UNIR é um nome, que neste
caso é um substantivo e não um verbo. Apagaram-se o contexto, a história e toda a
subjetividade. Neste artigo gostaríamos de discutir a importância de se pensar a
subjetividade quando pensamos em língua estrangeira, em ensino, e também em
formação de professores. Consideramos que haja a necessidade, primeiramente, de
explorarmos o tema “subjetividade.” Acreditamos que é muito relevante, mesmo
reconhecendo que hoje não se concebe mais a matematização do conhecimento
nem a institucionalização de verdades inquestionáveis, explorar questões referentes
ao cartesianismo em relação à subjetividade. Diferente do professor Gradgrind do
livro de Charles Dickens, Hard Times (1990), acreditamos que precisamos ir muito
além de “fatos” quando se fala em educação e formação de professores de língua
estrangeira.
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1
CARTESIANISMO E OBJETIVIDADE VERSUS SUBJETIVIDADE NA PESQUISA
E NO ENSINO
Na evolução do pensamento científico, a noção de cientificidade se configura
com base na objetividade e na neutralidade. O empirismo lógico e o modelo
cartesiano de ciência instituíram uma concepção de objetividade marcada
respectivamente pela prova do intelecto e pelas provas dos sentidos.1 O
Cartesianismo surgiu com a importante obra do francês René Descartes, cujo título
original “Discours de la méthode pour bien conduire sa raison, et chercher la vérité
dans les sciences” sugere que este era o método de conduzir corretamente nossa
razão, na procura da Verdade nas Ciências. Importante lembrar que o livro foi
publicado em 1637, período em que a Europa estava saindo para outras terras,
conquistando povos, colonizando terras não europeias. Isso certamente ajudou a
fomentar a ideia que a Europa poderia levar para suas colônias, em sua “missão
civilizadora, o método de conduzir corretamente a razão e logicamente combater
tudo o que não dizia ao mundo europeu e que era irracional.
Trabalhando sob uma crença humanística, a ideia central era que o ser
humano, apesar de suas diferenças, tinha uma natureza universal recebida de Deus,
Rene Descartes ao escrever isso em 1619 de certa forma estava tentando fazer
sentido do mundo, e querendo explicar o que todos os humanos sabem com
certeza. Neste aspecto podemos dizer que filosofia cartesiana colocou os seres
humanos europeus no centro de seu mundo e permitiu que eles acreditassem que a
natureza podia ser controlada por meio da aquisição de conhecimento, a
classificação e a análise de seu mundo circundante. Simplificando, poderíamos dizer
que esta maneira de ver o mundo favoreceu a crença de que o europeu era o
universal e vice-versa. Desta forma este “pensamento científico” reforça, a noção de
que as particularidades de outros mundos, outras percepções de verdade ou
1 A concepção de objetividade apresentou-se sob duas facetas distintas; a prova do intelecto e a prova dos
sentidos. No primeiro caso, conhecer significaria penetrar pela razão na “verdade” dos seres e fenômenos
naturais. (...) no segundo caso, o da prova dos sentidos, a base do conhecimento estaria na concepção de que a
verdade dos fatos só poderia ser atingida pelos sentidos: era o método indutivo por excelência. (Coracini, 1991,
p. 26)
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poderíamos dizer, subjetividade, não devem ser consideradas, pois podem até ser
nocivas ao processo de produção do conhecimento. Portanto, sob esta perspectiva
não se deve falar de seu mundo, mas receber a verdade racional, cartesiana,
indiscutível.
O pensador e crítico pós-colonial australiano Bill Ashcroft (2002) explica que a
separação cartesiana do sujeito e do objeto, a separação da consciência do mundo
do qual se é consciente é o esquema que ainda guia a episteme do mundo
ocidental, com sua obsessão pelo “científico”, pela objetividade com sua tendência a
ver o mundo a continuação de dados tecnológicos (Ashcroft, 2002: 67). Esta visão
de mundo nega, exclui ou suprime tudo o que não é ocidental, todo o conhecimento
que foge de um padrão preconcebido. Neste contexto se formos mais além,
podemos induzir que a filosofia cartesiana produziu maneiras de perceber o mundo
que posiciona o europeu branco (colonizador) como o centro do mundo tendo a
responsabilidade de educar o outro, o ignorante, de trazer para a racionalidade, para
o “progresso” aquele que caminha em outro ritmo, que vê o mundo sob outra
perspectiva.
No conto “The Parrot and Descartes”, presente no título deste artigo, a
escritora britânica, nascida na República da Guyana, satiriza esta percepção
cartesiana que faz com que a Europa separe o conhecimento científico da magia,
contrastando a visão de um papagaio de Orinoco com a de um pensador europeu,
Descartes. A historia na realidade debocha do cientificismo europeu que não serve
para explicar a realidade Ameríndia. Esta história da autora guianense serve para
reforçar nosso argumento sobre o perigo de querer se tornar científico e racional e
esquecer a subjetividade em nosso meio educacional.
Estas correntes com tendências “cartesianas” e “objetividade” encontraram
guarida no positivismo de Comte (1798) e no neopositivismo de Carnap (1891-
1970), que reforçam como critérios de cientificidade a objetividade e a neutralidade,
em detrimento da subjetividade e dos valores (cf. ARAÚJO, 145).
A ciência deve apoiar-se basicamente na realidade empírica e dotar-se de
uma linguagem acerca de fenômenos que independe de juízos de valor,
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finalidades e interesses, pois estes dizem respeito à subjetividade que é em
tudo estranha a ciência. Sendo a subjetividade um empecilho a objetividade,
que deve haver em qualquer proposição com pretensão científica, o mais
seguro para a ciência é adotar o modelo da física e da química (ARAÚJO,
2003, p.145)
Tal orientação, na área das ciências sociais e humanas, nos permite entender
as bases da relação conflituosa entre objetividade/subjetividade. O pensamento
científico positivista reforça, a partir de suas proposições, o mito de que a
subjetividade é nociva ao processo de produção do conhecimento.
A evolução do pensamento científico associa-se à adoção do método. Esta
postura sistemática e racional proporciona um rigor metodológico e instaura a noção
de cientificidade para o conhecimento. A concepção paradigmática de Kuhn desfaz
esse padrão de racionalidade ao estabelecer que a adoção deste ou daquele
paradigma (no momento da crise) não segue os critérios racionais da razão externa,
neutra, atemporal e comum a teorias rivais. (cf. ASSIS, 1993, p. 138-139).
Entretanto, ainda segundo Assis, é errôneo julgar que Kuhn propõe uma forma
irracional na decisão entre paradigma, pois não há como pesar racionalmente todos
os fatores a serem levados em conta na decisão de se abandonar ou não um
paradigma, sob pena de acusação de inconsistência ou irracionalidade para quem
não os admita.
Compartilhamos com a abordagem de Kuhn de que ciência é o que a
comunidade científica acata como tal e não um avanço em si mesma, como sugere
Popper. No entanto, sabemos que as pesquisas do presente têm se mostrado cada
vez mais frágeis diante dessa relação dialética. E tal fato tem gerado desafios que
vão desde o reconhecimento de cientificidade e credibilidade das pesquisas na área
das ciências humanas e sociais e, em especial, da área de Educação, à negação
das ciências não naturais (sociais, humanas, etc.) como um campo possível de ser
pesquisado.2
2
- Sobre esse assunto é relevante ler o texto de Jesus de Paula Assis (1993:133) que discorre sobre Kuhn e as
ciências sociais e apresenta as razões pelas quais as ciências sociais têm usado em demasia e equivocadamente
termos do modelo de Kuhn.
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Bachelard (cf.1978, p.89-179) também aponta outro caminho para o
conhecimento científico ao dizer que a ciência hoje se funda no projeto e situa-se,
portanto, acima do sujeito e além do objeto. Para o autor, a dialética do pensamento
científico contemporâneo é mostrar a novidade essencial que lhe é própria. Nesse
sentido, o autor postula que é necessário tomar a objetividade como uma tarefa
pedagógica difícil e não mais como um dado primitivo, uma vez que o real científico
está em dialética com a razão científica e por isso os ensinamentos da realidade só
valem na medida em que sugerem realizações racionais.
Pronunciando-se sobre a questão da neutralidade, é o próprio Kuhn (cf. 2006,
p.270) que afirma não existir nem nas ciências naturais e nem nas ciências humanas
um conjunto de categorias que seja neutro, reforçando aqui a importância da
interpretação hermenêutica para as descobertas na área das ciências humanas.
Também nessa direção, Azanha (1992, p.181) afirma que fazer pesquisa na
área de educação, por exemplo, segue igualmente o percurso do fazer ciências em
outras áreas do conhecimento:”[...] a prática científica, em qualquer campo, abrange
atividades como a proposição de problemas, a construção de teorias ou hipóteses, a
formulação de conceitos, a observação, a invenção de instrumentos, etc.”
No entanto, esse mesmo autor observa que
No âmbito dessa variedade há, evidentemente, um amplo espaço para a
criatividade do cientista; por isso, seria uma simplificação falsificadora
conceber a prática científica como um espaço onde as ações se reduzem
sempre ao surgimento de regras. (AZANHA, p.181)
Azanha nos chama a atenção para um elemento essencial da prática
científica, o sujeito pesquisador que deixaria a marca da subjetividade no fazer
científico. Por isso ele critica a postura de um racionalismo excessivo adotada por
cientistas anteriores, conforme podemos perceber no excerto:
A esperança de Bacon e de Descartes e de seus epígonos na formulação
de um método universal, cuja aplicação estrita garantiria o progresso da
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ciência, revela-se como uma fantasia não realizada e provavelmente não
realizável. O engano de todos aqueles que se empenharam nessa busca
utópica foi o de imaginar que o modis operandi da ciência seriam redutíveis
a um padrão formal de racionalidade. O núcleo desse engano foi a
suposição de que a variedade das práticas científicas concretas teria algo
de comum e essencial quando, na verdade, há entre elas apenas um “ar de
família” . (AZANHA, 1992, p.182)
O autor segue dizendo que tanto Bacon como Descartes construíram, em
especial para o público leigo letrado, uma visão profundamente metodológica da
produção do saber (cf. AZANHA, 1992 , p. 166) .
A subjetividade passa então a ser entendida como “relatividade”,
“dependência do seu construtor” (cf. CORACINI, 1991, p.36). E nesse sentido tornase indesejável e se constitui enquanto empecilho às pesquisas, em especial, às
pesquisas sociais.
Mesmo Nagel (1967), que atribui o mérito de uma pesquisa ao método
científico que esta emprega, reforça que a objetividade não é consequência da
Ciência, mas deve-se a uma comunidade de pensadores (cf. NAGEL, 1967, p.19-
20). O autor reconhece, pelo menos discursivamente, a manifestação da
subjetividade na prática científica ao afirmar não somente que nenhum cientista é
infalível e todos apresentam suas peculiares deformações intelectuais e emocionais,
mas também que [...] qualquer significativa coleta de fatos, para fins de pesquisa é
controlada por pressupostos de vários tipos, dependentes do cientista e não do
assunto investigado” (NAGEL, 1967 p, 20-21).
Coracini (1991, p.105), ao fazer um estudo sobre a subjetividade presente no
discurso da ciência, observa que o discurso científico é largamente um discurso
sobre as coisas, onde um ele não-humano é o sujeito de verbos de estado e de
processo. A autora discute não apenas o mito da objetividade da ciência, mas a
objetividade do discurso científico que se supõe neutro, imparcial e impessoal. Ela
deixa claro que o ideal positivista de ciência rejeita a subjetividade na atividade
científica, conforme podemos perceber no excerto abaixo:
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Como seria de se esperar em vista das convenções científicas, o sujeito
enunciador assume, o tempo todo, a postura de um observador distante do
objeto observado, como que provando, com sua ausência explicita, a
ausência do sujeito pesquisador na etapa da investigação
científica.(CORACINI, 1991 p.104)
Discutindo a questão de como a cientificidade se configura em ciências não
positivistas, Evangelista (1990) afirma que não existe a ciência, mas práticas
científicas efetivas. Estas é que de fato acontecem, no entanto quem conglomera
todo esse fluxo de práticas em uma unidade é a ciência. Por isso pontua que a
ciência parece ser uma essência, ter uma vida própria, mover-se por si mesmo
(EVANGELISTA, 1990, p.215). No seu entendimento, a ciência, ao diminuir a
diversidade (fatos e fenômenos da realidade) e instaurar a unidade, conta com um
sujeito cognoscente que assume uma posição neutra e nula frente ao objeto. No
entanto, ao se deparar com ciências que têm como objeto algo que não pode ser
consciente (a Psicanálise, por exemplo), o autor afirma que a cientificidade assume
outra configuração.
Por todo o exposto, observamos que objetividade e subjetividade são
constitutivas do fazer científico e guardam sua positividade3
. A objetividade - marca
maior da ciência clássica e aliada ao rigor e à precisão - nos proporcionou
descobertas importantíssimas sobre o mundo em que vivemos. E a subjetividade, da
mesma forma, impulsionou a ampliação e a criação de novos campos do
conhecimento (ciências sociais e humanas) bem como desmitificou a prática
científica, reconhecendo-a como uma atividade pautada não somente por regras a
serem seguidas, mas guiada também pela criatividade do cientista.
Não é intenção deste estudo priorizar nem a objetividade e nem a
subjetividade na pesquisas científicas, mas fazer uma observação de que ambas
são constitutivas da prática científica e que, portanto, não devem ser vistas pela
ótica maniqueísta e nem tratadas de maneira excludente.
Posicionamentos diferentes diante do mundo produzem conhecimentos
diferentes e isto é produtivo para o campo do conhecimento. A natureza do objeto
3 No sentido atribuído por Foucault: de ser produtivo, de produzir saberes (cf. Foucault, 1979).
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define o tipo de pesquisa a realizar. Estaremos sempre nos defrontando com olhares
diferenciados para o mundo, dando conta de diferentes e várias realidades e
compondo, diferentes e várias verdades. Teremos sempre esse embate produtivo,
querelas em torno da explicação de determinados fenômenos. Aprendemos com
Kuhn e Popper que para haver progresso é preciso que teorias se enfrentem, se
confrontem, sejam testadas, algumas abandonadas e outras eleitas. Não estaria
aqui a finalidade de pesquisar, do fazer ciência?
2 A (INDESEJÁVEL?) SUBJETIVIDADE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Ao problematizar a forma de produzir e disseminar conhecimento na área
educacional, Souza (2008, p.66) legitima nossa ideia de que a subjetividade se faz
indesejável porque
A Educação tende a expurgar o afeto e a considerar a dimensão subjetiva
como propiciadora do erro e da falha nos processos de produzir e de
disseminar conhecimento. De maneira geral a Educação adota a concepção
do sujeito da razão plena capaz de controlar os afetos e de expurgá-los do
processo psíquico e cognoscente de ensinar e de aprender.
Nos termos da autora, esse pensamento cartesiano, linear e positivista de
racionalidade tem promovido uma cisão entre processos que são recíprocos e
relacionais: os processos de conhecer e de subjetivar. Souza (2008, p.65) nos
lembra que, ao contato com novos conteúdos, situações e experiências, isto é, no
processo de aprender, somos constrangidos a um trabalho cognoscente bem como
a um trabalho subjetivo. Nas palavras de Souza (2008, p.64)
O processo de conhecer se articula ao processo de subjetivar na medida
em que o contato estabelecido com o real, seja para elaborar nossa
capacidade cognoscente, seja para construir nossa subjetividade, é
recíproco e relacional.
Nesse sentido, a autora propõe, para o trabalho educacional, a presença de
uma relação que possibilite aos participantes lidar com a dúvida e com os limites
inerentes a aquisição de novos saberes e fazeres. (Souza, 2008, p.67). Tal
pensamento vai de encontro ao que de fato acontece na prática. No entanto, o que
comumente acontece, no processo de formação, é o adiamento da dúvida, dos
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limites em detrimento do desejo de homogeneização . A subjetividade, assim,
apresenta se indesejável.
Em estudos anteriores, referentes à formação de professores de língua
inglesa, por exemplo, já observávamos que o ponto nodal da Prática de Ensino, no
curso de Letra-Inglês, ligava-se ao fato dessa disciplina formativa não encarar a
heterogeneidade como constitutiva da formação do futuro professor (MARTINS,
1998). Os resultados de tais estudos mostraram que a Prática de Ensino de Língua
Inglesa, ao abafar a heterogeneidade da/na sala de aula, escamoteava as
contradições e os conflitos inerentes ao processo de formação, limitando-se à
legitimação e à instrumentalização do professor de língua inglesa (cf. MARTINS,
1998, p.18).
Nossos estudos nos levaram, naquele momento, à seguinte reflexão:
A PELI4
, sob pena de perder o controle do processo de formação e porque
determinada pelas regras do discurso pedagógico e institucional, que
tendem a mascarar a heterogeneidade de todo discurso, procura abafar
esses conflitos. Conflitos esses perpassados pelas relações de poder que
se estabelecem na sala de aula. Dessa forma, essa disciplina busca
transformar a sala de aula num espaço homogêneo para a aplicação de
metodologias e para o desenvolvimento de atividades cognitivas.(MARTINS,
1998, p.91).
Nessa perspectiva, observamos que toda ocorrência de heterogeneidade é
“abafada” em nome da unidade e da homogeneização do processo de formação. O
desejo de tal homogeneização também é captado por Josso (2002, p.199) no que
diz respeito à noção de universalização do processo de formação expressa no
excerto abaixo.
A arte do tempo para o professor / formador não termina nesta gestão
visível. Na sua programação, ele integrará, com maior ou menor felicidade,
o que se sabe de si mesmo relativamente às suas energias disponíveis e
aos seus diversos compromissos. Mas mesmo aí, a tarefa não está
terminada, porque se sabe confrontado com a heterogeneidade do grupo e,
logo , com as especificidades de cada aprendiz na atividade educativa.
Cada professor/formador sabe disso e , no entanto, construímos os nossos
cenários pedagógicos como se só tivéssemos de fazê-lo para um homem
universal , espécie de protótipo ou de tipo ideal de aprendiz neste ou
naquele período da vida.
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- Prática de Ensino de Língua Inglesa.
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Tomando como base todas as discussões referentes ao desejo de
homogeneização do/no processo de formação, portanto, de exclusão da
subjetividade, podemos compreender a dificuldade de operacionalização da
epistemologia da prática na formação de professores. Mateus (2002, p. 11) reforça
nossa compreensão ao assegurar que:
[...] o novo paradigma que vem sendo apresentado para os cursos de
formação dos professores ainda levará anos até que seja compreendido e
aceito por um sistema educacional totalmente voltado ao racionalismo
técnico, no qual a aquisição do conhecimento teórico deve servir ao
aprimoramento da prática.
Telles (2002) comunga tal pensamento, ao reconhecer as limitações de
operacionalização da epistemologia da prática, denunciando a ausência
generalizada de uma pedagogia da positividade e de um entendimento do professor
detentor de conhecimentos práticos. Para tanto, aposta na pesquisa narrativa como
processo emancipatório e como instrumento de acesso à subjetividade dos
professores:
A proposta da Pesquisa Narrativa é a de uma prática emancipatória de
formação de professores. Tal prática abre espaços aos seus participantes
para a construção de um auto-conhecimento, o conhecimento de sua
subjetividade em relação direta com o conhecimento de sua própria prática
profissional. Assim, ficam os professores em posição de agenciadores de
suas próprias transformações; pois ninguém transforma ninguém. As
pessoas se transformam em função de seus desejos.(TELLES, 2002, p.23)
(grifos nossos)
As reflexões de Telles sobre práticas investigativas que favoreçam o
conhecimento da subjetividade encontram eco no questionamento de Barreiro e
Gebran, (2006, p.28) de que, além da dimensão instrumental-cognitiva da ação
docente, necessitamos compreender essa ação a partir de um terceiro elemento
concernente às intenções e às escolhas do sujeito implicado nesta ação. Dito de
outro modo, as autoras defendem que a ação docente transcende a concepção
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restrita de um saber-fazer uma vez que pressupõe a mediação do sujeito. Este
terceiro elemento reitera, pois, a subjetividade.
Outros fatores que tornam a subjetividade indesejável, nas investigações
sobre a formação de professores, referem-se (i) à dificuldade de lidar com a
singularidade do sujeito, (ii) ao centramento da perspectiva social nas discussões
sobre identidade mediante um “esquivar-se” da dimensão individual, e (iii) ao
enfoque estritamente cronológico dado às discussões sobre a temporalidade não
formação.
Na contramão desses esquivamentos e restrições presentes na discussão da
subjetividade no processo de formação de professores, Tardif (2002, p. 237)
comenta o assunto asseverando que os professores são sujeitos do conhecimento e
possuem saberes específicos ao seu ofício. Dessa forma, o autor caracteriza três
grandes orientações que tratam da subjetividade dos professores (TARDIF, 2002,
p.230-233).
A primeira orientação, denominada cognição e pensamento dos professores,
refere-se a pesquisas de abordagem psicológica ligadas à cognição. Tais pesquisas,
porque apoiadas na visão cognitivista e psicologizante, reduzem a questão da
subjetividade a uma racionalidade intelectual e instrumental. Na América do Norte,
segundo Tardif (2002, p.231), o ensino é concebido como um processo de
tratamento da informação e as investigações priorizam os processos mentais que
regem o pensamento do professor. Nesse sentido, os saberes do professor são
definidos como representações mentais a partir das quais os práticos ordenam suas
práticas e executam suas ações (TARDIF, 2002, p.231); trata-se, portanto de
saberes procedimentais e instrumentais que permitem o professor elaborar uma
representação da ação e lhe dar forma. Na Europa, as pesquisas se orientam pelo
viés construtivista e socioconstrutivista e se interessam pelos processos de
negociação, de ajustamento e de estruturação das representações mentais
subjetivas e intersubjetivas dos professores relacionados com o contexto de ensino,
com as interações com os alunos e também com as outras dimensões simbólicas do
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ensino[...] (TARDIF, 2002, p.231). As pesquisas, desta feita, evidenciam o professor
perito e eficiente.
Na segunda orientação, aparecem as pesquisas de ordem fenomenológica
que englobam temas como história de vida pessoal e profissional, crenças, a voz
dos professores, enfoques narrativos, metáforas, relatos, dentre outros (cf.TARDIF,
2002, p. 232). O professor é considerado sujeito ativo de sua própria prática. Essa
segunda orientação está inserida em uma visão existencialista cujo interesse voltase para o professor experiente com seus dilemas, tensões e rotinas.
Por fim, a terceira orientação estende-se pelo campo da sociologia dos
atores e da sociologia da ação. Esses campos de estudos estão associados: “[...]
ao simbolismo interacionista, à etnometodologia, ao estudo da linguagem comum e
cotidiana, ao estudo da comunicação e das interações comunicacionais, às
competências sociais e aos saberes sociais dos atores, etc. “ (TARDIF, 2002, p.233).
Dessa perspectiva, a subjetividade não se reduz à cognição ou à vivência
pessoal, mas remete às categorias, regras e linguagens sociais que estruturam a
experiência dos atores nos processo de comunicação e de interação cotidiana
(TARDIF, 2002, p.233).
As orientações expostas por Tardif promovem um redimensionamento no
cenário das pesquisas em educação, ao deslocar a discussão sobre formação e
subjetividade do âmbito racional-metodológico para o âmbito processual.
Martins (2010), problematizando a formação inicial do professor de língua
inglesa, compreende o estágio supervisionado enquanto um espaço de
desenvolvimento de experiências pessoais e profissionais e, principalmente, de
constituição de sentidos e de produção de saberes. Segundo a autora, a
subjetividade do processo educacional ocorre a partir da relação de mediação entre
a interioridade e a exterioridade do sujeito. Assim, Martins (2010) com base em
Severino (2001, p.57) considera o estágio como uma prática simbólica pois diz
respeito às ações dos professores em formação, seus conceitos e valores que dão
sentido à prática e são socialmente construídos e historicamente consolidados.
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Nesse momento, parece necessário fazermos uma breve incursão por
conceitos que nos auxiliem na compreensão sobre a docência e sua complexidade
constitutiva, focalizando marcas da subjetividade no processo de tornar-se
professor. Passemos, então a considerar alguns conceitos envolvidos neste estudo
que nos auxilia a evidenciar essas marcas e aprofundar a discussão e a reflexão
sobre a presença (sempre) da subjetividade no processo de formação inicial de
professores.
2.1 Subjetividade: da identidade, da singularidade e da temporalidade do
formar-se
Embora este estudo não esteja inserido em uma abordagem narrativa de
pesquisa e, portanto, não trilhe os caminhos para a realização de investigações
sobre história de vida, buscamos respaldo em alguns pontos levantados por Josso
para abordar questões ligadas à subjetividade do/no processo de formação de
professores.
Josso (2002, p.197) deixa transparecer a ideia de que a formação não pode
ser tratada a partir de uma homogeneidade porque é constituída de vários aspectos.
Primeiramente, remete a formação a um processo de aprendizagem de
competências e de conhecimentos técnicos e simbólicos. Com base em correntes
metodológicas5 atuais relativas à formação, apresenta o conceito de
“impermanência” para designar a tomada de consciência mais primitiva que o eu
pode fazer na observação/exploração de si mesmo e do seu meio humano e natural.
A autora questiona a geografia de categorias descritivas para abordar a
heterogeneidade dos grupos e propõe a singularidade6 como paradigma associado
ao conceito de humano ao afirmar que:
Esta singularidade, se formos sensíveis a ela em cada instante da nossa
prática, impõe-se como a maior limitação da nossa atividade. Ela é tão
radical que a fenomenologia do encontro nos faz descobrir, a cada instante,
5 Em particular da formação experiencial, a das histórias de vida em formação, bem como da pesquisa-formação.
(cf. JOSSO, 2002, p.197)
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o mistério de cada ser e quebra o aparente pré-conhecimento que tínhamos
por meio da integração das ciências do humano. (JOSSO, 2002 p.199)
A singularidade, na visão da autora, remete à temporalidade no processo
educativo. Esse posicionamento encontra amparo na própria definição de
singularidade. Remetendo-nos ao conceito dicionarizado, Singular significa, de
acordo com os verbetes um e dois, 1.pertencente ou relativo a um. 2. Especial.
Raro. Na sequência, Singularidade é definida nos seguintes termos: 1.qualidade,
estado ou condição do que é singular. 2. Ato ou dito singular. 3. Região do espaçotempo onde as leis da física atualmente conhecidas entram em colapso e as
equações perdem o seu significado.
Podemos entender, com base na ideia de colapso expressa no verbete três,
as argumentações de Josso (2002, p.199) referentes à relação singularidadetemporalidade. A autora, por exemplo, postula que a gestão da temporalidade
sociopedagógica, encarada pela perspectiva do professor/formador, choca-se com a
gestão da temporalidade sócio-individual. Na oportunidade, a pesquisadora tece
críticas às pedagogias cujos pressupostos apontam para um processo de
aprendizagem de correspondência unívoca do tipo: o professor ensina, o aluno
aprende. Ao contrário, propõe a noção de autopoeisis para subsidiar as
investigações sobre o ser aprendiz que é considerado ser autopoiético, e
entendendo o ato educativo como violador da temporalidade autopoiética. A autora,
então, se autoquestiona:
[...] visto que só o aprendiz pode aprender a aprender, qual é o meu lugar, o
meu papel, o meu estatuto, a minha missão de professor, formador,
educador junto a ele? (JOSSO, 2002, p.200)
A reflexão da autora reforça a ideia de que o tempo do processo de
aprendizagem é condicionado pela singularidade de cada aprendiz. A mudança só
ocorre mediante uma tomada de consciência e mesmo assim, Josso (2002, p.202)
insiste na não equivalência entre a temporalidade da aprendizagem e a
temporalidade da mudança.
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Se a formação envolve um processo de mudança, Josso (2002, p.203),
detendo-se um pouco mais sobre a temporalidade e singularidade, chama atenção
para o fato de que o processo de formação é posto entre parêntesis, fora do campo
da consciência, para se ocupar do que é mais urgente aqui e agora. A autora
continua sua reflexão
[...] o aqui e agora é apenas o local de uma experiência obrigatória,
suportada nos seus constrangimentos, mas não integrada numa
prospectiva, não integrada como material de exploração, não integrada
como experiência formadora de mudanças, não subordinada a um sentido
para o indivíduo, não subordinada a uma procura, a uma orientação
autoformulada a partir do seu patrimônio sociocultural. (JOSSO, 2000,
p.204)
Essa ponderação nos auxilia a explicar o porquê da experiência do estágio,
nos programas de formação, funcionar, não raro, como uma atividade protocolar e
esvaziada de sentido. Ao contrário, quando pensado como espaço para a
subjetividade, o estágio pode se converter em uma experiência significativa na
formação.
Retomando a relação singularidade-temporalidade, Josso (2000, p.204)
argumenta:
O respeito pelo tempo concedido à simbolização, à integração num
imaginário, apresenta-se, então, como respeito à pessoa reconhecida na
sua singularidade, quer dizer, nas diferentes dimensões do seu ser (as suas
identidades) associadas a uma subjetividade impermanente [....].
A pesquisadora concebe a formação como uma construção de si e de sentido
mediada pela temporalidade biográfica e chama a atenção para a conscientização
da complexidade temporal da formação. Josso (cf. 2000, p. 223) ainda menciona o
trabalho intersubjetivo no processo de formação que encerra as identificações e
diferenciações que o indivíduo faz durante o seu processo de estranheza do outro e
de si mesmo.
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Aproveitamos as contribuições de Josso para abordar a subjetividade do/no
processo de formação do professor de língua inglesa sob a perspectiva da
impermanência, da singularidade e da temporalidade.
A ideia de impermanência nos permite identificar a situação de intensa
transitoriedade do futuro professor devido ao fato da experiência do estágio ir à
contramão da estabilização de sentimentos, de práticas discursivas, de ações e
reações. Longe de estabelecer uma identidade una, fixa e duradoura, as
experiências do estágio são palco para a impermanência e, portanto, para a
desestabilização das certezas, das verdades. A própria condição de estagiário
assenta-se na intersecção do sujeito-aluno com o sujeito-professor.
A noção de singularidade, da mesma forma, nos autoriza a definir, neste
estudo, o professor em formação como um sujeito singular que se constrói ao
vivenciar as experiências proporcionadas pelo estágio supervisionado. O estágio,
assim, configura-se como um tempo–espaço de produção da singularidade do futuro
professor. Em outras palavras, funciona como ambiente produtor de contradições,
de conflitos, de sentidos e significados.
A ideia de temporalidade se agrega a este estudo na medida em que
compreendemos o estágio supervisionado como momento de passagem do ser
aluno para o ser professor. Momento este marcado por experiências passadas e
presentes que diferem de sujeito para sujeito, configurando-se, portanto, em um
tempo singular do tornar-se professor.
Esse tornar-se professor, durante o estágio supervisionado, aparece em
Nóvoa (1995, p.16) ligado à noção de processo identitário pela maneira como cada
um se sente e si diz professor, dando-nos pistas sobre o eu pessoal e profissional.
Essa apropriação da história pessoal e profissional, para o autor, é um processo
complexo e não cumulativo (de cursos, conhecimentos e técnicas) que exige um
trabalho constante de reflexão sobre as práticas e de construção de uma identidade
pessoal (NÓVOA, 1995, p.16).
Para dar conta de identificar traços da identidade profissional, Nóvoa (1995,
p.16) descreve três atitudes que fundamentam o processo identitário do professor:
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adesão, ação, autoconsciência. Após caracterizar as atitudes do seu triplo AAA, o
autor enfatiza a identidade profissional dos professores como um lugar de lutas e de
conflitos, como um espaço de construção de uma maneira de ser e de estar na
profissão (NÓVOA, 1995, p.16).
. Esse contexto de conflitos e de lutas no processo de formação tem como
protagonista a própria descontinuidade do sujeito. Hall (2005, p.13-14) nos ajuda a
compreender essa descontinuidade, afirmando que o sujeito assume identidades
diferentes em diferentes momentos, identidades que não são identificadas ao redor
de um “eu” coerente. Nessa perspectiva o sujeito é sócio-histórico e habitado pelo
desejo por isso não tem o controle sobre si e sobre o que diz. Nesse sentido, o
conceito de identificação nos permiti entender as identidades (e não a identidade)
como pontos de apego temporário às posições-de-sujeito que as práticas discursivas
constroem para nós (HALL, 2000, p.112). Neste estudo, o conceito de identidade
pressupõe o de identificação tendo em vista que discutimos a descontinuidade dos
processos identitários do professor de língua inglesa em formação por ocasião do
estágio supervisionado.
BREVES CONSIDERAÇÕES
Considerando, pois, a presença marcante da subjetividade no processo de
formação, propomos um traçado sócio-histórico a partir dos conceitos de processo
identitário e trabalho intersubjeitvo para dar vez e voz a subjetividade dos
professores em formação. Professores em formação saem de seus mundos com
suas histórias, suas culturas, suas vivências. Isso não pode ser desconsiderado em
contexto de formação de professores.
Portanto, acreditamos que é preciso reforçar a necessidade de prestar
atenção aos conceitos de subjetividade como processo identitário, marcado pela
singularidade e pela temporalidade biográfica do sujeito, isto é, enquanto uma
produção sócio-histórica , e de linguagem como uma dimensão discursiva. Nosso
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argumento é que não se pode medir tudo por dados, por medidas mecânicas, em
número.
. Há muito mais dados que devem ser considerados e que não são
mensuráveis. Como diria o personagem narrador de Pauline Melville em The
Ventriloquist´s Tale, “a vida de uma pessoa não está pendurada entre duas datas
como uma rede que fica pendurada entre duas árvores .” Há muito mais na vida de
um ser humano. Quando promovemos discussões sobre ensino e aprendizagem de
uma língua estrangeira e quando discutimos questões de formação do professor
nesta área, estas reflexões, acreditamos, são muito relevantes
Nesse contexto, não é difícil de lembrar, por exemplo o que acontece com a
personagem de Bernard Shaw em Pygmalion (1966): o professor de fonética
acredita apenas em conceitos de cientificismo obejtivista , como por exemplo a “fala
visível”, e usa todo o material e recursos para dominar a fonética de sua aluna, Eliza
Dolittle. Para o professor cientista, positivista a aluna é um objeto reduzida a um
material de observação para fazê-la uma menina “ladilike. O cientificismo de Higgins’
ignora qualquer particularidade de Dolittle, seu contexto social, sua história e
experiência. Quando um professor de inglês diz a seus alunos que para aprender
inglês é necessário “pensar em inglês” para aprender a língua ele está restringindo a
aprendizagem ao cartesianismo ou racional. Cada sujeito é um sujeito. Para
promover aprendizagem do novo, é necessário respeitar as particularidades do local,
a língua de um determinado de um professor em formação ou de uma determinada
comunidade, suas crenças , história e cultura. Assim se oportunizam-se novas
formas de falar e de ver o mundo e de ensinar.
Não queremos sugerir que é necessário uma subjetividade total ou apenas
magia na formação de professores, mas sim que não devemos privilegiar um e
negligenciar outro. O cartesianismo pode ser prejudicial quando não ponderamos
questões do “não universal” quando desprezamos as particularidades de cada
professor em formação, de cada aprendiz Pensamos que é importante refletir sobre
o perigo de “rotular , de criar fórmulas válidas para todos os contextos,
homogeneizando e objetificando o outro.
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(Conflicts and contradictions in the education of teachers: A study on the discourse
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_______________ Estágio Supervisionado: prática simbólica e experiência
inaugural da docência. Tese de doutorado em Educação Escolar Un
sábado, 15 de fevereiro de 2020
A graça da garça
( para Leia Maia que fotografou a garça no lago)
Oh, a garça
não disfarça
sua graça.
Esperta
espreita
o peixe.
Sua pesca
ou caça...
Sei porém
que a garça
elegante
para o peixe
é uma farsa.
..........
O que para uns
é só graça
para outros:
uma ameaça...
Miguel Nenevé --observando a garça a observar o peixe na água...)
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