Do amor a estereótipos , a preconceitos e ao maniqueísmo.*
Miguel
Nenevé
Octave Mannoni, escrevendo
sobre a “Psicologia da Colonização”
afirma que o colonizador tem uma necessidade psicológica de ter “alguém
inferior”. Ele, o colonizador, sai de sua terra para se reafirmar, para
confirmar que há um lugar onde vivem monstros, pessoas mais feias, lugares
amedrontadores. Assim, mais do que o lucro, o colonizador busca, na colônia,
“uma satisfação psicológica, o que é muito mais perigoso.” Esta satisfação psicológica faz com que o
colonizador, o europeu ou o que vive “no centro”, espalhe a crença que do outro lado da terra, em
outra parte do mundo, para além do mar ou do rio, há pessoas estranhas, com
costumes exóticos, vivendo num mundo ao
avesso. Parece que há uma satisfação em afirmar que ao contrário do nosso cosmo
existe um caos quando cruzamos a fronteira.
Isso se reflete na literatura,
como analisa Edward Said em sua obra Orientalismo,
quando mostra como autores europeus, principalmente da França e da Inglaterra,
apresentam o Oriente como o “outro” , o feio, o perigoso e o inconfiável. Este
prática discursiva colonialista é com frequência percebida também na imprensa nossa do dia a dia. Reforça-se uma crença
comum , uma visão (e divisão) maniqueísta entre o bom e ruim, o bonito e o feio
entre o que é de Deus e do demônio,
entre a carne e o espírito, entre o corpo e alma e , visivelmente entre o Norte
e Sul , entre o Ocidente e o Oriente.
Assistindo a alguns jogos da Copa do Mundo pela televisão,
tenho ouvido comentários de locutores esportivos e da imprensa de um modo geral
sobre nosso clima muito quente. Tem-se
creditado o desenvolvimento fraco de alguns jogadores do hemisfério norte ao
calor do Brasil. O jogo entre Portugal e
Estados Unidos em Manaus , causou inúmeros comentários exagerados de nossos
locutores brasileiros que repetem um discurso colonialista. O locutor de uma
emissora o tempo todo lamentava que os “coitados” portugueses e
norte-americanos tiveram que jogar em “uma clima insuportável.” Extremistas as lamentações de alguns
locutores! Todo olhar atravessado de um jogador era interpretado como
sofrimento por causa do calor. A toda hora se
mencionava a dificuldade de respirar por causa do “clima insuportável de
Manaus.” Sem nunca mencionar quantos
graus marcavam os termômetros,
repetiam-se lamúrias em nome dos visitantes. Com uma ladainha de
lamentações sobre o clima ”quase intolerável”
ficou até difícil de assistir ao jogo em determinado canal. Intoleráveis
acabaram ficando as lamentações do locutor.
Refletindo sobre os comentários e a “pena” dos visitantes, que o locutor dizia
sentir, lembrei-me que a única vez em
que realmente experimentei um calor sufocante, quase insuportável, que sugava a pele, foi no estado de Colorado,
nos Estados Unidos, num mês de agosto. Muito pior que um calor vaporoso de 34
graus da Amazônia, o calor seco de 40 graus me deixava ansioso para partir o
mais rápido possível do o local. Quando conto isso a pessoas que acreditam que
nos Estados Unidos é sempre mais frio que no Brasil, vejo um ar de espanto e
incredulidade. Isso é motivado pela
crença que um local deve ser sempre quente, insuportável e o outro sempre frio,
com temperatura sempre inferior a nossa
e mais saudável. Quem não conhece o
local e ouve imprensa repetir constantemente esta “verdade” maniqueísta que coloca “norte contra o sul”, “paraíso
contra inferno” entre outras concepções, passa a propagar a ideia dos opostos.
Parece que há necessidade de reafirmar que há um mundo exótico a ser
dominado...O discurso do colonizador repetido pelo colonizado.
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* publicado anteriormente em Cronicália (coordenado por Vitor Hugo Martins)